Um grande grupo de pessoas estava reunido em uma casa de uma pequena cidade portuária. Comentava-se que um homem, que estava tocando profundamente o coração das pessoas com sua mensagem, estava dando uma palestra. Sobre o que ele estava falando que causava tamanha agitação? Sobre arrependimento, novo nascimento e perdão. Além disso, ele também curava as pessoas.
Esse homem, é claro, era Jesus de Nazaré e a cidade era Cafarnaum, às margens do Mar da Galiléia.
Entre as pessoas em Cafarnaum que esperavam para ver Jesus, estava um homem tão gravemente paralisado, que tinha de ser carregado sobre uma maca por quatro homens. Contudo, quando chegaram até a casa onde estava Jesus, havia tamanha multidão que eles não conseguiram se aproximar dele. Esses homens deviam amar muito esse amigo e ter acreditado que ele poderia ser curado, se conseguissem levá-lo até Jesus. Portanto, subiram no telhado com a maca e tudo, removeram algumas telhas e baixaram seu amigo pela abertura.
Depois de todo esse esforço, o que disse o Mestre ao homem? “...Filho, os teus pecados estão perdoados” (Marcos 2:5). Por que ele disse isso? Por que falou sobre perdão a um homem que desejava desesperadamente ser curado de paralisia? Sim, Jesus curou o homem, mas por que ele primeiro lhe assegurou que estava perdoado?
Há necessidade de arrependimento e perdão todos os dias
Jesus não aceitou a evidência dos sentidos fisicos, mas enxergou muito além da aparência exterior. Para ele, para algo ser real tinha de ser da maneira como Deus o criou. Deus declarou que tudo o que Ele fez era bom e isso inclui o homem (que significa todos os homens e mulheres) à imagem e semelhança de Deus. Quando alguém vinha até Jesus para ser curado, ele não via nesse alguém um sofredor mortal, como as demais pessoas o faziam. Jesus jamais aceitou tal visão. Ele via a todos como inteiramente bons, refletindo a perfeição de Deus. A visão teológica prevalecente da época era que o homem havia nascido pecador. Tivesse Jesus aceitado essa visão errônea, ele não teria conseguido curar.
A cura espiritual na ciência Cristã é o resultado de ver o homem perfeito, o que vem também a ser a base do verdadeiro perdão.
Então, por que perdoar? Porque o perdão é vital para vermos espiritualmente, para curar e encontrar regeneração. A Bíblia indica que Jesus não tinha nenhuma escolha nessa questão. Ele sabia que Deus já havia perdoado esse homem, e que não poderia levantar falso testemunho contra o seu próximo. Ao compreender isso, somos capazes de enxergar que há necessidade de arrependimento e perdão todos os dias, quando vemos ou vivenciamos qualquer situação que não corresponda à perfeita criação de Deus.
Cresci na Alemanha quando Hitler estava no poder. Durante a guerra, as atividades da Ciência Cristã estavam proibidas na Alemanha. Meu pai, que era Praticista da Ciência Cristã e ativo nos assuntos da igreja, foi levado para a prisão, mais tarde libertado e forçado a servir o exército. Quando eu estava com dez anos, tive de me filiar à organização da juventude de Hitler, pois era obrigatório a todos os jovens. Essa era a lei. Contudo, depois que meu pai foi para a prisão, recusei-me a participar das reuniões ou ter qualquer envolvimento com a organização. Como resultado, fui levado para um acampamento de trabalhos forçados, onde permaneci no período da guerra.
Se eu quisesse conhecer a mim mesmo como a criação perfeita de Deus, teria de ver a todos sob essa mesma luz
Após a guerra, quando nossa família novamente foi reunida, notei que meu pai tratava com muita cordialidade um dos nossos vizinhos que havia sido um membro ativo do partido nazista. Fiquei indignado com a atitude dele e lhe disse isso. Conforme me recordo, meu pai perguntou se eu achava que estava em posição de julgar quem era aceitável ou não como filho de Deus. Ele me disse enfaticamente que, se eu quisesse conhecer a mim mesmo como a criação perfeita de Deus, teria de ver a todos, sem exceção, sob essa mesma luz. Precisava perdoar.
Lembro-me de ter dito a ele: "Suponho que você vai me dizer que perdoa Hitler". Ele deixou claro que, de forma nenhuma, desculpava as coisas terríveis que aconteceram sob o domínio nazista e que os responsáveis deveriam ser punidos. Isso, contudo, não isenta a necessidade de uma pessoa perdoar e ver a todos como Deus os vê.
Mais tarde, cerca de vinte anos depois, tinha minha própria família. Minha esposa e eu tivemos três meninos e desejávamos adotar uma menina. O procedimento de adoção exigia que minha esposa e eu fizéssemos um exame psicológico. Após o exame, o psicólogo observou com surpresa que eu tinha poucas cicatrizes mentais provenientes das minhas experiências de guerra. No início, fiquei feliz ao ouvir isso. Entretanto, quanto mais pensava no assunto, mais eu percebia que não deveria ter nenhuma marca de guerra.
O perdão era um pré-requisito para me libertar de quaisquer cicatrizes remanescentes
Quando examinei meu pensamento, constatei que, depois de todos aqueles anos, ainda tinha pesadelos ocasionais relacionados com a guerra, e que havia momentos em que fantasiava o que eu poderia fazer a um dos guardas do acampamento, se me encontrasse com ele. Compreendi o quão irracionais eram aqueles pensamentos e decidi orar, sincera e sistematicamente, para me livrar daquelas cicatrizes mentais remanescentes.
Minhas orações se concentraram em dois pontos. No primeiro, me empenharia para reconhecer que, na realidade de Deus, em Seu reino, nunca houve uma guerra ou suas consequências. Deixe-me explicar: compreendi que a guerra que eu havia vivenciado era, em realidade, parte do "sonho em um viver material", como é denominado em Ciência e Saúde (p. 14). Um sonho nunca pode deixar uma cicatriz na realidade. Se, durante a noite, eu tivesse sonhado que era perseguido por uma manada de elefantes, eu não procuraria pelas pegadas dos elefantes no tapete do quarto quando acordasse.
O segundo ponto era que eu agora tinha a maturidade espiritual para perceber a necessidade do perdão incondicional. Não era coerente eu declarar minha libertação das consequéncias da guerra e, ao mesmo tempo, apegar-me ao ressentimento em relação às pessoas ligadas com a experiência da guerra. O perdão era o pré-requisito para me libertar dessas cicatrizes remanescentes. Pensei nesta oração de Jesus para os que o torturaram e o crucificaram: "...Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:34).
Para nós, é natural refletirmos ativamente a Deus, o Amor, e amar a todos
Perdoar o comandante do acampamento, os guardas e muitos outros veio a ser mais fácil do que eu pensava. Ficou claro para mim que todos os envolvidos haviam desempenhado papéis que encobriam a verdadeira identidade deles, dada por Deus.
Lembro-me de ter questionado o quão realmente sincero era meu perdão. Depois de muita oração, decidi que um bom teste seria perguntar a mim mesmo se eu era capaz de amar aquelas pessoas. Para minha surpresa, a resposta foi afirmativa. Compreendi que, como filhos de Deus, cada um era inteiramente digno de ser amado.
No "Pai Nosso", Jesus ensinou seus seguidores a orar assim: “e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mateus 6:12). No livro Ciência e Saúde, Mary Baker Eddy, Descobridora da Ciência Cristã, ofereceu-nos o que ela compreendia ser “o sentido espiritual da Oração do Senhor” e, para aquela frase, ela nos deu esta interpretação: E o Amor se reflete em amor" (p. 17). Aqui, Amor com letra maiúscula é um sinônimo para Deus. Tendo em vista que somos sempre confortados e envolvidos por esse Amor divino e que, como reflexo de Deus, nunca estamos separados dele, é natural refletirmos ativamente esse Amor e amar a todos, independentemente de como tenhamos sido tratados.
Durante o período em que estive preso no acampamento, havia recebido duras chicotadas por falar fora de hora. O médico do acampamento predissera que as cicatrizes resultantes das chicotadas ficariam ali para o resto da minha vida. Como as cicatrizes ficavam nas costas, nunca dei muita importância a elas. Portanto, fiquei ainda mais surpreso quando descobri um dia que, depois de ter me libertado mentalmente de qualquer ressentimento crônico e ter conseguido perdoar livremente, aquelas cicatrizes físicas também desapareceram. Elas haviam estado ali durante mais de vinte anos.
Podemos nos lembrar o quanto um Deus que perdoa nos ama
Aprendi que jamais poderei vivenciar minha própria perfeição como filho de Deus, se nutrir pensamentos de ressentimento ou de crítica sobre qualquer pessoa. Se eu expulsar meu semelhante para fora do reino, metaforicamente falando, também serei expulso junto com ele.
Muitas vezes, o que nos impede de amar incondicionalmente é a justificação própria. Venho aprendendo continuamente que nem sempre é importante insistir em ter razão. Somos abençoados muito mais por ver e amar o que a outra pessoa tem de bom.
À vezes, também precisamos perdoar a nós mesmos, a fim de superar um erro do passado que possa se arrastar até o presente. Isso se torna muito mais fácil quando nos lembramos o quanto um Deus que perdoa nos ama. Só existe uma única coisa que podemos fazer com o erro, corrigi-lo. Os erros são reparados, um de cada vez.
É importante ser completamente honesto consigo mesmo, e detectar e enfrentar qualquer conduta e pensamento remanescentes, pecaminosos ou errôneos. Por que nos agarrar a qualquer excesso de bagagem? Isso só nos retarda. O perdão de Deus não evita a necessidade de purificar nossas próprias ações.
O perdão teria de percorrer um longo caminho até dissolver a obstinada resistência do mundo às soluções pacificas
Mary Baker Eddy fez esta afirmação extremamente contundente em uma palestra que deu em sua igreja em 1895: “Sem um conhecimento dos próprios pecados, e sem um arrependimento que seja tão profundo a ponto de destruí-los, ninguém é ou pode ser Cientista Cristão” (Miscellaneous Writings 1883–1896, p. 107).
O arrependimento é essencial. Uma vez que um pensamento ou uma ação tenham passado completamente pelo arrependimento, isto é, percebidos pelo que são e abandonados, é contraproducente condenar a nós mesmos e continuar a rememorar o erro. Uma vez que nos arrependemos realmente de um erro, vivenciamos reforma. Somos transformados quando expressamos o que na verdade sempre fomos. O erro ou o mau comportamento em realidade jamais fizeram parte de nós.
Aprendi que jamais poderei vivenciar minha própria perfeição como filho de Deus, se nutrir pensamentos de ressentimento ou de crítica sobre qualquer pessoa.
Ao se referir à época de Jesus, Mary Baker Eddy escreveu: "Agora, como então, operam-se sinais e milagres na cura metafísica de moléstias físicas; esses sinais, porém, servem apenas para demonstrar a origem divina dessa cura—para atestar a realidade da missão mais elevada da força-Cristo, a de tirar os pecados do mundo" (Ciência e Saúde, p. 150). Descobri ser útil orar diariamente por mim mesmo e reconhecer que posso pensar somente como Deus me faz pensar e agir apenas como Deus me faz agir. Será que isso inclui também como devo pensar a respeito da comunidade e do mundo? Certamente!
De certa forma, a humanidade parece tão paralisada quanto aquele homem em Cafarnaum. Um comprometimento coletivo de perdoar teria de percorrer um longo caminho até dissolver a obstinada resisténcia do mundo às soluções pacíficas, e todos nós vivenciaríamos mais liberdade.