As palavras de uma antiga canção estavam sendo suavemente transmitidas pelo rádio:
Não me importa o teu passado,
Pois sei o que hoje és. “I don’t care what you used to be” por Al Dubin e Jimmy McHugh, 1927.
Dito a uma pessoa arrependida, acabrunhada ante o sentimento de culpa por erros passados, quão animador isso poderia ser.
Examinemos, porém, de novo, as palavras da canção. Acaso o homem reformado tornou-se diferente do que era quando perpetrou o crime? Sim e não. Está diferente no sentido de que, afinal, reconheceu seu erro e encontra-se manifestando qualidades mais elevadas. E, contudo, em certo sentido, não está diferente, porque na realidade sempre foi o filho de Deus, embora temporariamente houvesse perdido de vista o seu verdadeiro eu.
Quer estejamos lidando com o nosso próprio sentido errado do eu ou com a apreciação errônea de outrem, podemos encontrar resposta nos escritos de autoria da Sra. Eddy. Por exemplo: Falando a respeito do eu mortal, ela instrui: “Limpa toda mancha das roupas enxovalhadas desse viandante, tira o pó de seus pés e enxuga as lágrimas de seus olhos, para que possas contemplar o homem real, o concidadão dos santos e membro de uma família sagrada.” Retrospecção e Introspecção, p. 86.
Mais fácil dizer do que fazer? Alguns meses atrás uma Cientista Cristã teve a oportunidade de pôr em prática essa recomendação. Na Inglaterra, na época do Natal, as crianças costumam entoar canções natalinas do lado de fora das casas dos vizinhos, tocar a campainha e receber em troca algumas moedinhas. Certa noite, essa mulher achava-se a sós em casa quando tocaram a campainha e, em voz alta, vozes masculinas desafinadas entoaram um cântico de Natal. Não havia luzes acesas nas janelas ou na entrada da casa vizinha. A mulher foi tomada de medo, mas, ao orar com sinceridade em busca de orientação, sentiu-se impelida a abrir a porta.
Ali parados achavam-se três jovens altos e fortes. Um deles lhe desejou feliz Natal, mas seus olhos dirigiram-se logo para as mãos da mulher, que poderia estar segurando uma carteira, para o caso de os visitantes serem crianças. Volvendo o olhar de um jovem para outro, a apreensão dela foi substituída pela compaixão. A mulher teve um vislumbre do homem à semelhança de seu Criador: espiritual, cuidado, dignificado, altaneiro e livre. Suavemente ela explicou — com muita sinceridade — que não tinha troco em casa.
Então acrescentou: “Faço votos de que também vocês tenham um feliz Natal.”
Pareciam envergonhados e viraram-se para ir embora. A seguir, um deles começou a voltar para a casa. Rapidamente ela fechou a porta, e a trancou. Embora alguém tentasse girar a maçaneta, a mulher não estava mais com medo. Seu coração cantava! Ela sabia que o filho de Deus só pode trazer bênçãos a outro filho de Deus. Os homens foram-se embora calmamente.
Neste caso, pode parecer que por atalhar um ato errado houvesse sido evitada a necessidade de perdão. Mas a mulher percebeu ser-lhe preciso continuar em oração, até sentir-se completamente em paz. Estava convencida de que, por ter enfrentado os jovens face a face, havia desempenhado papel importante na solução do caso.
Isto não quer dizer que seja sempre sábio abrir a porta a estranhos; de fato, em muitos casos isto poderia ser um erro. Mas, quando procuramos ouvir a orientação do Pai e a seguimos, não podemos errar.
Os cristãos do mundo inteiro unem-se no desejo de perdoar como Cristo Jesus perdoava. Até mesmo a agonia da crucificação não o cegou para essa necessidade. Quando pregado à cruz, Jesus orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34. Seu amor extravazou por aqueles que, vítimas do sentido pessoal, tentavam fazer dele a vítima.
Alguém talvez diga: “Jesus era diferente. Eu tenho o desejo de perdoar, mas não sou tão magnânimo quanto era Jesus. Como posso perdoar, quando me fizeram tanto mal?” A Ciência Cristã demonstra como, mediante o amor do Pai, podemos apagar a crença de haver realidade e poder no ódio, no medo, na inveja, no egotismo, na mesquinhez ou na vingança, tanto no que diz respeito aos outros como a nós mesmos. Assim, chegamos ao homem real, o homem que, de acordo com a Bíblia, [Deus] “criou ... à sua imagem” Gênesis 1:27.. Não há para nós outra saída senão a de amar esse homem.
Superar os traços de caráter da mente mortal e dar prova de nossa identidade verdadeira talvez não seja algo possível de fazer da noite para o dia. Coragem, persistência e o manter constantemente nossa mão na mão do Pai se fazem necessários, pois nunca devemos esquecer que não podemos fazer nada de nós mesmos — isto é, sem a ajuda de Deus. “O caminho”, diz a Sra. Eddy, “é a Ciência divina absoluta: andai por ele; mas lembrai-vos de que a Ciência se demonstra aos poucos, e que nossa demonstração somente se eleva quando nós nos elevamos na escala do ser.” Miscellaneous Writings, p. 359.
E alhures ela escreve: “Tende bom ânimo; é portentosa a luta contra o próprio eu; dá-nos emprego suficiente, e o Princípio divino coopera convosco — e a obediência coroa o esforço persistente com uma vitória duradoura.” Ibid., p. 118.
Realmente compreender e comprovar que, na matéria, não existe identidade falsa a qual necessite perdoar ou ser perdoada é meta assaz elevada na Ciência Cristã. Todos nós podemos almejar chegar a essa meta e trabalhar no rumo desse propósito.