: Quando e como a senhora começou a se interessar pela espiritualidade?
: Sempre me interessei por descobrir o sentido da vida. Concentrei-me na questão espiritual a partir do momento em que minha mãe escreveu sua autobiografia. Ela foi muito ativa, uma das primeiras especialistas em informática no Brasil. Ao se aposentar, resolveu escrever a história da família na Hungria. A partir daí, revelaram-se as raízes judaicas. Comecei, então, uma busca muito intensa e resolvi retornar ao judaísmo. A história dos sofrimentos e das alegrias da minha família na Hungria contribuiu para o meu processo de transformação.
A espiritualidade ajuda, desde que não se tenha uma perspectiva ingênua.
LL: A sua religião a ajudou a tomar decisões quanto à sua carreira?
CC: Ela me ajuda no dia-a-dia em todas as decisões, desde a educação das crianças até minha atuação no governo, porque o judaísmo tem um conteúdo ético muito forte, como acredito que o cristianismo também o tenha, pois vem da mesma raiz. Quando fui convidada para ser ministra do governo brasileiro, a primeira pessoa que me ocorreu consultar foi um rabino. Ele me respondeu que isso podia ser muito importante, tanto para os judeus no Brasil (eu fui a primeira ministra judia), quanto para as mulheres (também fui uma das primeiras ministras).
LL: Qual é o papel da espiritualidade hoje, na sua vida profissional?
CC: Leio sempre a Torá, ou seja, a Bíblia judaica, que consiste dos cinco primeiros livros daquilo que os cristãos chamam de Antigo Testamento. Procuro estar junto com a família para celebrar a chegada do Sábado, o dia santificado, o dia do repouso e procuro exercer uma boa ética profissional e como cidadã. A ética religiosa me ajuda muito nas situações difíceis, como, por exemplo, demitir um funcionário.
LL: A senhora acredita que a oração possa curar?
CC: Acredito. Não tenho nenhuma experiência pessoal, mas acredito profundamente que, ao orar, o ser humano se conecta com o Senhor e assim pode ser curado, porque o poder de curar é de Deus. Isso não significa, porém, que os avanços das ciências devam ser negados ou minimizados. Significa que o poder de curar vem, em última instância, do Todo Poderoso.
LL: No dia 8 de março come-mora-se o Dia Internacional da Mulher. Dentro da sua área de atuação, como a senhora contribuiu para melhorar a condição da mulher?
CC: No Brasil, os funcionários públicos têm de passar por um processo seletivo, portanto, há igualdades de chances entre homens e mulheres. As mulheres constituem 50% dos funcionários públicos. Entretanto, para os cargos nomeados livremente, como os de chefia e de direção de nível mais alto, o número de mulheres praticamente tende a desaparecer. O processo é injusto e desperdiça um grande potencial que poderia ajudar o país. Não consta que Deus tenha distribuído os dons entre homens e mulheres de forma desigual. Quando eu era ministra, começamos a preparar mulheres no serviço público para funções de chefia. Com isso cumprimos duas agendas: a primeira foi garantir que a mulher pudesse vencer seu próprio medo; a segunda foi tornar público, entre os ministros, o fato de que um maior número de mulheres estava se capacitando para funções de gerência e diretoria. Formamos mais de nove turmas, cada uma com cerca de vinte e cinco a quarenta mulheres, que assim se habilitaram a assumir cargos mais altos. Muitas delas chegaram a assumir posições de maior responsabilidade.
LL: Nessa sua nova fase profissional, no Banco Mundial, como tem sido trabalhar com mulheres americanas e de outras culturas?
CC: É muito enriquecedor. A sociedade americana vive uma democracia mais consolidada do que as sociedades latino-americanas. Existem regras bem concretas e exatas para se garantir inclusivida-de e igualdade. Eu trabalho na unidade da América Latina, onde há pessoas das mais diversas culturas, tanto latino-americanos, quanto de outras culturas e credos. O que há de bonito é o fato de que hoje se busca a contribuição de cada um desses grupos culturais e étnicos.
LL: E a senhora percebe interesses comuns entre essas mulheres?
CC: Sim. Poderíamos, simplificando, chamar esse fator de “alma feminina”. Mesmo mulheres com doutorado em economia são, muitas vezes, mais atentas para a dinãmica psicossocial dos grupos com os quais trabalham. Essas características contribuem muito para um ambiente de trabalho gostoso, interessante e equilibrado.
LL: A sua experiência profissional é muito diferente da maioria das mulheres. Em muitos países, é sempre o homem que trabalha fora e a mulher abdica da sua profissão para seguir o marido, caso ele seja transferido de cidade. Qual é o seu caso?
CC: Meu marido e eu saímos um pouco dessa regra. Quando deixei meu cargo no governo, meu marido era diretor numa empresa governamental de informática. Ao ser convidada pelo Banco Mundial para assumir um posto de direção, ele abandonou seu emprego e veio para os Estados Unidos como meu dependente, situação não muito usual. Conversamos muito. Ele é uma pessoa muito especial. Teve de haver muita compreensão entre as duas partes. Por mais que meu marido seja generoso, ele sofreu com essa situação, porque também queria utilizar seu potencial. Combinamos, então, que ele cuidaria da instalação da família e dos nossos dois filhos mais jovens. Ele só retornou à consultoria três meses depois da mudança. Isso exigiu muita sabedoria, da parte de ambos, para garantir que nossos filhos recebessem a melhor educação possível, tanto acadêmica como espiritual, e para não deixarmos de transmitir a eles os valores segundo os quais vivemos.
LL: A senhora citou a educação espiritual dos filhos. A espiritualidade tem algum peso no seu casamento?
CC: Com certeza. Para o judaísmo, a família é o núcleo mais importante, mais do que governo ou aspectos comunitários. A relação afetiva entre marido e mulher, fomentando sempre o amor, é extremamente importante.
LL: A Sra. diria que a espiritualidade ajuda a resolver todos os tipos de problemas no casamento e na educação dos filhos?
CC: Ajuda, desde que não se tenha uma perspectiva ingênua. O fato de a espiritualidade ajudar não é tudo. Ela não é meramente um dom, como algo que se recebe pronto para aplicar receitinhas. Trata-se da percepção de que temos de trabalhar o nosso “eu”, para constantemente vencer o egoísmo, a mesquinharia e os ressentimentos, e assim, crescer espiritualmente.
LL: A senhora acha que podemos orar para que os direitos da mulher sejam mais respeitados em âmbito mundial? E qual seriam os problemas que merecem maior atenção?
CC: Preocupa-me muito a situação das mulheres em determinados países em que elas não têm tido a chance de se expressar como seres humanos. Tenho acompanhado a situação de mulheres que, em determinados países, não podem sequer sair de casa sozinhas, ou são submetidas a espancamentos, a mutilações. No caso do Afeganistão, se não tiverem marido ou irmão para acompanhá-las ao sairem de casa, elas passam por situações de extrema privação. Superar todos esses traumas não é um processo muito simples, porque muitas vezes a mulher acaba sendo quase cúmplice da sua própria opressão, por não enxergar outros caminhos. ÁS vezes, a mulher reproduz a situação de opressão e de sofrimento na educação dos meninos, ou, em outras situações, nega a participação do homem numa sociedade em que os dois, como iguais, deveriam construir o futuro. Eu acho que cabe, sim, oração, esforço, e todas as formas de comunicação para que os direitos da mulher passem a ser mais respeitados.
LL: Qual seria a sua mensagem para as mulheres?
CC: Que confiem em si mesmas! Tudo o que é importante para nós, Deus já nos deu. Precisamos trabalhar essas coisas e confiar em nós mesmas. Saí de grandes impasses pessoais e profissionais quando confiei mais em mim mesma e contei com a ajuda de Deus.
