Skip to main content Skip to search Skip to header Skip to footer

O apóstolo Paulo, defensor das mulheres

Da edição de março de 2001 dO Arauto da Ciência Cristã


Paulo era meu herói! Eu me comovia com sua alegria em Cristo, sua energia na divulgação do evangelho, seu apoio às igrejas que estavam se empenhando para se formar.

Contudo, quando passei a estudar a Bíblia com outros estudantes que tinham formação religiosa diversa da minha, meu apreço por Paulo começou a ser questionado. O que me parecia mais difícil era relacionar a orientação de Paulo sobre como as mulheres deveriam comportar-se nas igrejas e na sociedade, com sua teologia. Eu conhecia os textos que recomendavam que as mulheres cobrissem a cabeça e não falassem nas igrejas, entre outras coisas. Como essas recomendações não interferiam na minha vida religiosa ou social, eu simplesmente as ignorava. Entretanto, nesse novo cenário em que eu me encontrava, não podia ignorá-las, porque eu estava tomando conhecimento de situações em que mulheres que desejavam muito assumir um papel mais ativo no ministério em suas igrejas, tinham sido impedidas de fazê-lo, com base nas cartas de Paulo. Uma interpretação radical das cartas de Paulo impunha esse papel de submissão às mulheres, na família e na sociedade. Intimamente eu comentava: “Que absurdo!”, e passava para a análise de outros textos bíblicos. Finalmente percebi que, como havia ignorado as questões relacionadas com a condição da mulher nos escritos de Paulo, eu agora estava ignorando todos os seus escritos. Eles traziam um excesso de complicações, sendo que a questão relacionada com a condição feminina era apenas uma delas.

Para poder emitir um julgamento realista a respeito de Paulo, eu tive de compreender sua concepção do mundo, seu mundo interior, a visão de realidade que determinava seu comportamento moral e que definia sua maneira de viver e trabalhar no mundo exterior. Quando Paulo encontrou o Cristo no seu caminho para Damasco, sua concepção do mundo sofreu uma reviravolta de 180 graus! Será possível imaginar tudo o que aconteceu no íntimo daquele homem que, de uma maneira tão repentina, passou de adversário a defensor do Cristo? O relato bíblico não menciona como Paulo se sentiu, nem a mudança que esse acontecimento provocou em seu relacionamento com a família, com religiosos e com a comunidade. Tudo o que sabemos é o que inferimos de sua carta aos Filipenses, ou seja, que o que ele considerava “lucro” em seu entusiasmo para ser um bom hebreu, ele passou a considerar “perda” por Cristo (ver Filipenses 3:1-8).

A mudança radical de adversário para defensor do Cristo, passa então a governar a concepção que Paulo tem do mundo. Os horizontes daquela concepção do mundo é que definem o trabalho de Paulo com suas igrejas. Um dos horizontes é a crucificação e a ressurreição de Jesus Cristo; o outro é o retorno de Jesus que, para Paulo e para todos os demais cristãos do primeiro século, deve ocorrer antes do fim daquele século. Esses dois pontos não estão muito distantes entre si: estão separados por aproximadamente setenta anos. As conversas de Paulo com as igrejas são constantemente voltadas para a pergunta: “Como aqueles que se tornaram cristãos devem viver ou comportar-se durante esse período?” Quando Paulo está se dirigindo aos vários grupos, que são novos “na fé”, seu objetivo é considerar as questões que eles trazem a ele, baseado no que significa viver de tal maneira, que estejamos “mortos para o pecado, mas vivos para Deus” (Romanos 6:11) e prontos para a segunda vinda de Jesus. O tempo é escasso e é necessário que todos abandonem sua antiga maneira de viver, agora que estão na fé, e demonstrem, através de seu exemplo, a nova vida em Cristo.

No mundo de Paulo, o exemplo é tudo. O ensinamento é feito através do exemplo. As pessoas observam o que as outras fazem. O comportamento tem reflexos não somente na pessoa, mas também na família e em toda a comunidade. Portanto, é muito importante o relacionamento que os membros da comunidade da fé têm entre si e a maneira como eles interagem com o mundo “exterior”.

Paulo se considera um professor, e uma das maneiras que ele estabeleceu para orientar as comunidades é através de máximas. As máximas, uma forma de retórica comum no tempo de Paulo, são verdades enérgicas aplicadas às situações do dia-a-dia. A aplicação de uma máxima podia ser questionada, mas a máxima em si, não. As cartas de Paulo contêm muitos desses provérbios éticos, que podem ter-se originado em seus ensinamentos, ou que poderiam ser de uso comum na época. Não se trata de um conjunto de regras, mas de orientações, que freqüentemente servem como base para o raciocínio moral de Paulo. Uma dessas máximas encontra-se em Gálatas 3:28: “Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”

Admitindo-se que a máxima de Gálatas reflita a pregação de Paulo às igrejas, pode parecer difícil conciliar essa orientação com seu raciocínio moral sobre a situação das mulheres, que lemos em 1 Coríntios, Efésios, Colossenses, 1 e 2 Timóteo e Tito. As mulheres não são o único assunto abordado por Paulo em suas cartas mas, provavelmente, são o tópico tratado com maior entusiasmo.

Por exemplo, os Coríntios discutiam o casamento e a intimidade no casamento: seria isso compatível com a vida em Cristo? Quando Paulo diz em sua carta: “Quanto ao que me escrevestes, é bom que o homem não toque em mulher” (1 Cor. 7:1), ele está respondendo a uma pergunta feita por eles. Sua resposta precisa ser analisada no contexto do capítulo inteiro. Dentro da estrutura estabelecida por Paulo, se alguém não está casado, é melhor que não se case, porque o retorno de Jesus está próximo e toda a atividade deve ser voltada para a preparação desse dia. O casamento traz consigo obrigações para ambos os cônjuges, que Paulo denomina “coisas deste mundo” (1 Cor. 7:32-35, conforme a Nova Tradução na Linguagem de Hoje). No contexto do iminente retorno de Jesus, isso diminui a entrega “ao serviço do Senhor com toda a dedicação”. Mas, quando trata de relações sexuais, Paulo é muito claro e totalmente imparcial com ambos os sexos. Se uma pessoa não consegue controlar suas paixões deve casar-se, ao invés de ceder à imoralidade sexual. A igualdade entre homens e mulheres, dentro e fora do casamento, é o aspecto que mais se destaca nesse capítulo.

Paulo é claro e imparcial com ambos os sexos. Destaca a igualdade entre homens e mulheres.

Além de atender aos pedidos de orientação, Paulo não hesita em comentar informações sobre o comportamento de certas comunidades. Haviam-no informado que as mulheres de Corinto não estavam se vestindo adequadamente quando se reuniam para os cultos, e ele continua tratando desse assunto no capítulo 11. Ele começa da seguinte forma: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o marido, o cabeça de sua esposa, e Deus, o cabeça de Cristo” (1 Cor. 11:3, conforme a New Revised Standard Version). Ele não está falando sobre a autoridade do homem ou da mulher. Ele está demonstrando sua constante preocupação com o fato de que os cristãos reconheçam a autoridade do Cristo sobre eles e a autoridade de Deus sobre todos. Para atingir seu objetivo, Paulo aborda o assunto não apenas do ponto de vista teológico, mas também considerando os costumes de sua época, segundo os quais os homens judeus não usavam nada especial para cobrir a cabeça, nem mesmo na sinagoga. Eles usavam cabelos curtos e as mulheres, longos. Muitos estudiosos da Bíblia acham difícil interpretar o que Paulo quis dizer nesses versículos. Existe, porém, um consenso geral de que ele está escrevendo sobre “objetos para cobrir a cabeça”. Mas, por quê? Porque as mulheres estavam orando e profetizando durante os cultos com a cabeça descoberta. Em Corinto, só saem a público com a cabeça descoberta as prostitutas e sacerdotisas de cultos pagãos. Para as mulheres cristãs, isso significa apresentar uma idéia errada sobre a natureza da “vida ... em Cristo”. Paulo, provavelmente, não estava preocupado com o fato de as mulheres cobrirem ou não a cabeça, mas ele se preocupava muito com a influência do comportamento das pessoas sobre a comunidade da fé.

É importante notar que, nos cultos, tanto os homens como as mulheres oravam e profetizavam (ver 1 Cor. 11:4,5). Contudo, o que dizer da desconcertante argumentação de Paulo de que “... o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem. Porque o homem não foi feito da mulher, e sim a mulher, do homem. Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem”? (1 Cor. 11:7-9). Essa argumentação não diz respeito ao fato de as mulheres profetizarem. É possível que até mesmo Paulo estivesse consciente da inutilidade desse argumento, pois ele conclui a passagem com seu apelo habitual, à reciprocidade e à igualdade: “No Senhor, todavia, nem a mulher é independente do homem, nem o homem, independente da mulher. Porque, como provém a mulher do homem, assim também o homem é nascido da mulher; e tudo vem de Deus” (1 Cor. 11:11, 12).

Mais adiante, na carta, aparece uma passagem mais polêmica, que ainda gera muita controvérsia: “Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, interroguem, em casa, a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja” (1 Cor. 14:34, 35). Será que Paulo disse realmente isso? Como é que as várias mulheres que Paulo tanto elogia, nessa e em outras cartas, poderiam trabalhar nas igrejas se fossem impedidas de falar? E silenciar as mulheres não é lógico no contexto de sua recomendação sobre profecias, uma vez que ele concorda que as mulheres profetizem.

Existem várias explicações razoáveis sobre esse texto, inclusive a de que Paulo realmente disse essas palavras, mas que elas se dirigiam especificamente às mulheres de Corinto, e sob circunstâncias que nos são desconhecidas. Os versículos estão mais de acordo com Efésios 5:22, Colossenses 3:18 e 1 Timóteo 2:11-15, os quais, juntamente com as cartas contidas em 2 Tessalonicenses, 2 Timóteo e Tito, são considerados textos que seguem a linha de pensamento de Paulo, mas que não foram escritos por ele. Uma explicação oferecida por estudiosos da Bíblia, conservadores e radicais, é que os versículos 34 e 35 do capítulo 14 de 1 Coríntios não foram escritos por Paulo e foram acrescentados ao texto devido a um erro de transcrição. Em alguns manuscritos eles aparecem após o versículo 40. Se os versículos 34 e 35 forem removidos, os versículos 33 e 36, que tratam da ordem do culto, encaixam-se primorosamente: “...porque Deus não é de confusão e sim de paz. (Como em todas as igrejas dos santos... Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de vós ou veio ela exclusivamente para vós outros?)”

A posição das mulheres nas igrejas de Paulo, a partir de suas cartas, é bastante clara. Ele depende delas para a continuidade e para o funcionamento da igreja. Elas ocupam posições importantes na família da fé. No primeiro capítulo de 1 Coríntios, ele se refere a Cloe e ao seu povo, ou aos da casa de Cloe. Trata-se de igrejas que funcionam em casas e Cloe é a responsável por essa unidade específica. No capítulo 16, ele se refere a Áqüila e Priscila e à igreja que fica na casa deles. Lídia, a primeira cristã convertida por Paulo na Europa, era uma comerciante bem-sucedida, tendo dirigido uma igreja em sua casa e hospedado Paulo em duas ocasiões. Ela também dava assistência aos primitivos cristãos de outras maneiras (ver Atos, cap. 16). Em sua carta aos romanos (16:1-4, 6, 7, 12, 13, 15), Paulo recomenda a seus leitores a “nossa irmã Febe”, a qual é “diaconisa da igreja de Cencréia” (conforme a Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Ele também pede que “dêem a ela toda a ajuda que precisar” (conforme a Nova Tradução na Linguagem de Hoje), porque ajudou a muitos, inclusive a Paulo, e está sendo portadora da carta aos romanos. Novamente, ele menciona Priscila e Áqüila, “meus cooperadores em Cristo Jesus, os quais pela minha vida arriscaram a sua própria cabeça”. Ele homenageia Andrônico e Júnias, referindose a eles como “meus parentes e companheiros de prisão”, que se destacaram entre os apóstolos e estavam em Cristo antes de Paulo. Ele fala de Maria, “que muito trabalhou por vós”; Trifena e Trifosa, “as quais trabalhavam no Senhor”; a mãe de Rufo, “que também tem sido mãe para mim”; Júlia e a irmã de Nereu também recebem sua saudação. Ele pede aos Filipenses que auxiliem Evódia e Síntique, que se esforçaram com ele no evangelho (ver Filipenses 4:2, 3).

A evidência é clara. Paulo é um defensor das mulheres! Quando analisamos as cartas que ele escreveu, considerando que concepção do mundo, desaparecem as interpretações errôneas sobre o objetivo de Paulo, e são definidas as funções essenciais que as mulheres desempenharam nas igrejas primitivas. Hoje, se as cartas de Paulo fossem usadas como modelo, nenhuma função poderia ser negada às mulheres, unicamente pelo fato de elas pertencerem ao sexo feminino.

Mas, o que dizer da base do raciocínio moral de Paulo? Ela ainda é válida? Sem dúvida! Porque, na essência das máximas de caráter moral que Paulo proclamava, está a base para nossa vida “em Cristo”. Nós ainda precisamos de orientação, limites, que nos indiquem a vida na fé. As poucas passagens que examinamos, mostram a razão pela qual necessitamos analisar o raciocínio que fundamenta as instruções de Paulo. Então, podemos aplicar esse raciocínio à nossa situação. Por exemplo, cobrir ou não a cabeça na igreja não é mais uma questão relevante nem para homens nem para mulheres. Mas, se nosso comportamento corresponde ou não à vida em Cristo, ainda é algo a ser considerado. O raciocínio ainda é relevante.

Como Paulo, cada um de nós tem uma concepção do mundo, uma percepção da realidade, da verdade em Cristo. Quando vivemos uma vida em Cristo, percebemos que a vinda do Cristo acontece a toda hora, diariamente. Podemos então dizer com Paulo: “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3:13, 14).

Para conhecer mais conteúdo como este, convidamos você a se inscrever para receber as notificações semanais do Arauto. Você receberá artigos, gravações em áudio e anúncios diretamente via WhatsApp ou e-mail.

Inscreva-se

Mais nesta edição / março de 2001

A missão dO Arauto da Ciência Cristã 

“...anunciar a atividade e disponibilidade universal da Verdade...”

                                                                                        Mary Baker Eddy

Conheça melhor o Arauto e sua missão.