Passei minha infância sob a influência do medo devido ao que me parecia a tirania de um pai injusto e egoísta. Muitas vezes, isso me causava muita insegurança sobre o futuro.
Éramos cinco: meu pai, minha mãe, uma irmã, um irmão e eu. Vivíamos em um ambiente onde a pior parte do dia era o final da tarde, quando meu pai voltava do trabalho. Ele bebia e estava sempre irritado.
Minha mãe cuidava de nós muito bem, brincava e conversava conosco. Mas, quando meu pai chegava, tudo mudava. Tínhamos de estar sempre limpos e quietos. Ao menor sinal de qualquer brincadeira ou riso típicos de crianças, ele ficava contrariado, pois dizia que tínhamos o dia todo para fazer o que quiséssemos. Em casa, ele precisava ter sossego. Para mim, aquilo soava como ditadura. Tudo era motivo para reclamação e discussão; quase todas as noites meus pais brigavam e minha mãe chorava durante muito tempo. Nós ficávamos apavorados e nos sentíamos impotentes, pois não podíamos fazer nada para acabar com aquela situação. Lembro-me de desejar ardentemente que meus pais se separassem, pois achava que assim poderíamos ficar livres de tanto terror e ter um pouco de tranqüilidade e felicidade.
Na adolescência, minha insatisfação aumentou e passei a tratar meu pai com a mesma hostilidade com que ele me tratava. Quase nunca conversávamos e, quando o fazíamos, ele me acusava e explicava como eu deveria ser, pois dizia que eu não era a filha que ele queria que eu fosse. Eu, por minha vez, ouvia tudo calada e, quando o sermão acabava, só para desafiá-lo, agia de modo contrário ao que ele queria.
Graças a uma tia, conhecemos a Ciência Cristã. Minha mãe estudava as Lições Bíblicas Semanais e expressava muita paciência com toda essa situação, dizia que as coisas iriam mudar para melhor e que nós deveríamos orar pelo meu pai, pois aquela situação precisava se harmonizar. Eu freqüentava a Escola Dominical da Ciência Cristã e passava por fases de compreensão e outras de imensa revolta.
Anos mais tarde, eu me casei e, nessa mesma época, meus pais resolveram se separar. Pensei que o problema havia terminado. Imaginei que tudo se resolveria, pois não precisava mais conviver com meu pai, por quem nutria uma forte revolta e aversão, mas percebi que estava completamente enganada. Meu pai havia se afastado de nós, não estávamos mais sob seu jugo. Eu imaginava que o casamento fosse me livrar daquela terrível situação, entretanto, meu marido se revelou violento e egoísta. Novamente, comecei a viver em profunda agonia.
Lembro-me de que foi uma época de muitos desafios, mas também de grande aprendizado e muitas bênçãos.
Então, orientada por aquela tia querida, procurei uma Praticista da Ciência Cristã, que me fez pensar sobre a natureza de cada indíviduo como pura e inocente e me ajudou a compreender que traços negativos de personalidade não fazem parte do ser criado por Deus. Tudo o que estava acontecendo era apenas uma repetição da situação de discórdia que vivera na infância. Primeiro foi com meu pai, agora com meu marido. Era necessário que eu entendesse que a desarmonia não é real. Havia chegado a hora de reconhecer o verdadeiro conceito de amor, que tanto meu pai como meu marido, poderiam expressar.
Lembro-me de que foi uma época de muitos desafios, mas também de grande aprendizado e muitas bênçãos. Estudei muitas passagens da Bíblia, de Ciência e Saúde e de outras obras de Mary Baker Eddy. Este é um dos trechos que me acalmou muito na época: "A renúncia a tudo o que constitui um assim chamado homem material, e o reconhecimento e a realização de sua identidade espiritual como filho de Deus, é a Ciência, que abre as próprias comportas do céu; de onde o bem flui por todos os canais do ser, limpando os mortais de toda impureza, destruindo todo sofrimento e demonstrando a verdadeira imagem e semelhança". (Miscellaneous Writings, p. 185).
Orei com afinco com um trecho do Pai-Nosso: "Perdoa os nossos pecados, pois nós também perdoamos todos os que nos ofendem" (Lucas 11:4). Assim, a cada dia, eu perdoava "a quem me havia ofendido" e me sentia perdoada pelos pensamentos de rancor, à medida que eles se dissipavam de minha consciência. Foram anos de ininterruptas orações e muita paciência, mas tembém de doces recompensas, como ver o olhar amoroso de meus dois filhos pequenos no fim do dia, poder brincar com eles e sentir a pureza divina que expressavam. Também sentia o carinho e apoio de toda a minha família nessa busca pela felicidade.
Depois de algum tempo, meu marido e eu resolvemos nos divorciar. Depois, eu me casei novamente e ele também. Casei com um homem que expressa todas as qualidades do Princípio amoroso. Ele é um grande amigo e companheiro, ótimo pai e completamente sem preconceitos, como eu compreendi que todos os homens e mulheres criados por Deus devem ser. Sou muito grata pela oportunidade de criar meus filhos em um lar de muito amor e respeito.
Fiquei muitos anos sem ter nenhum contato com meu pai. Há algum tempo, na festa de casamento de minha irmã, tive a oportunidade de revê-lo. Ele estava radiante por levar sua filha ao altar e demonstrou imensa satisfação ao me ver. Passamos um bom tempo conversando como bons amigos. Estávamos deixando que nossa natureza espiritual, como reflexos do Amor, aflorasse na forma de um relacionamento pacífico.
Os familiares, que sabiam de nosso histórico de desavenças, se admiraram muito ao ver que conversávamos com tanta naturalidade. Naquele momento, percebi que o sentimento de opressão que havia me assolado durante tantos anos, simplesmente desaparecera.
Hoje, meu pai e eu somos amigos e o visito sempre que tenho oportunidade. O relacionamento dele com minha mãe, meus irmãos e com o resto da família também se harmonizou.
Sinto-me fortalecida com essa experiência, visto que pude constatar que a vontade de Deus é sempre boa, agradável e perfeita (ver Romanos 12:2).
Depoimento da tia da autora:
Com regozijo, testemunhei a mudança no comportamento de meu irmão, pai da articulista.
Tenho boas recordações de minha infância e adolescência em companhia desse irmão. Ele era inteligente, perspicaz e divertido.
A certa altura, quando já estava casado e com filhos, tornou-se amargo, egoísta e muito crítico. Também passou a tomar bebidas alcoólicas em excesso. A convivência com sua família mais próxima se tornou insuportável. Acabou saindo de casa.
As notícias que recebia dele sempre eram desagradáveis e vinham acompanhadas por frases como: "ele não tem jeito, nunca vai mudar".
Sua família e eu nos sentíamos prejudicados por falhas de responsabilidade da parte dele. Fui obrigada, por muito tempo, a arcar sozinha com certas despesas que deveriam ser partilhadas entre mim e ele. Confesso que, durante bastante tempo, aceitei essa condição como algo lamentável, porém natural.
Contudo, o Cristo, a manifestação de Deus, está sempre em ação e atua continuamente em nós e nos outros. Na Ciência Cristã, eu aprendera sobre a verdade espiritual e o amor divino. Como poderia, então, aceitar algo incompatível com esses ensinamentos?
Certo dia, resolvi dar um basta a essa apatia. Pensei que, sendo Deus onipotente, Ele não poderia ter criado um filho com poder para causar vergonha ou tristeza para seus parentes. Por isso, eu deveria me esforçar por ver sua verdadeira natureza espiritual amorosa, pura e alegre.
Utilizei muitas passagens de Ciência e Saúde e da Bíblia nessa caminhada. O seguinte versículo me deu grande inspiração: "Assim que, nós, daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos Cristo segundo a carne, já agora não o conhecemos desse modo. E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as cousas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (2 Cor. 5:16, 17). Orava para me conscientizar da perfeição de meu irmão, que já se manifestava, mas que eu ainda não via.
Por algum tempo ele se mostrou hostil, mas outros membros da família também estavam orando e sempre o apoiavam. Sempre telefonavam ou iam vê-lo no trabalho.
Diversas circunstâncias em sua vida foram se ajustando. Para mim, a ação do Cristo em sua consciência o estava modificando. Várias qualidades divinas que tinham estado ocultas começaram a aparecer. A mudança foi gradativa, mas constante. Ele parou de beber e as condições no trabalho melhoraram bastante. Hoje, ele tem uma convivência bastante harmoniosa com toda a família.
Ficou provado que nunca se deve desanimar ou desistir. Deus dá a força necessária para vencer tudo o que é desarmonioso, em nós mesmos e nos outros.
