Onésimo devia ser um sujeito fora do comum. Ele apareceu à porta do apóstolo Paulo como escravo fugitivo, que aparentemente havia roubado alguns bens de seu senhor. Na Roma antiga, por volta do ano 60 DC, isso era um crime capital e Onésimo poderia ser crucificado. Entretanto, procurou a Paulo que, na ocasião, estava sob prisão domiciliar.
Paulo nunca mais foi o mesmo após esse encontro com o escravo. Provavelmente, foi nessa ocasião que ele escreveu a carta a Filemon, o proprietário do escravo.
A comunicação de Paulo a Filemon é um documento curto, considerado uma das cartas mais notáveis da Bíblia, e revela grande transformação no ponto de vista de Paulo sobre a escravidão, além de apresentar idéias promissoras na formação do conceito cristão de democracia.
John Knox observa: "A carta não contém nenhum ensino teológico ou ético explícito. Contudo, é um dos documentos mais interessantes e esclarecedores no Novo Testamento e, de certa forma, um dos mais importantes". Ele acrescenta: "Embora sucinto, foi composto com extraordinário cuidado e... é uma das cartas mais talentosas já escrita" (Os Intérpretes da Bíblia, [Nashville: Abingdon Press, 1955], Vol. 11, p. 555).
Os cristãos proprietários de escravos nos Estados Unidos e em outros países freqüentemente citavam o ponto de vista de Paulo com relação à escravidão antes de seu encontro com Onésimo: "... servos, obedecei a vosso senhor segundo a carne com temor e tremor, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo, não servindo à vista, como para agradar a homens, mas como servos de Cristo, fazendo, de coração, a vontade de Deus; servindo de boa vontade, como ao Senhor e não como a homens" (Efésios 6:5-7).
Provavelmente, os proprietários de escravos omitiram as obrigações bíblicas que vinham a seguir: "Certos de que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor, quer seja servo, quer livre. E vós, senhores, de igual modo procedei para com eles, deixando as ameaças, sabendo que o Senhor, tanto deles como vosso, está nos céus e que para com ele não há acepção de pessoas" (Ibidem 6:8-9).
Embora essa passagem seja freqüentemente interpretada como uma posição bíblica grave e insensível, na verdade ela segue a tentativa do Antigo Testamento de melhorar as duras condições sociais que eram praticadas na época. Esses regulamentos, que apontavam para a necessidade de compaixão por ambas as partes, não aprovavam tais práticas cruéis, mas foram criados com o objetivo de lidar com a realidade do dia-a-dia com algum senso de benevolência recíproca.
Paulo também achava que essa dinâmica na relação senhor-escravo era temporária e que terminaria com o iminente retorno de Jesus e do estabelecimento de uma nova ordem mundial.
Contudo, o ponto de vista de Paulo mudou quando conheceu Onésimo. Paulo diz a Filemon que ele poderia ter exercido sua própria autoridade libertando Onésimo ele mesmo. Em vez disso, por amor a Filemon, Paulo escolheu pedir-lhe que tomasse essa iniciativa de benevolência cristã, dizendo: "Eu estou mandando Onésimo de volta para você, e com ele vai o meu coração" (Filemon 1:12).
Ele diz mais a Filemon: "Pode ser que Onésimo tenha sido afastado de você por algum tempo a fim de que você o tenha de volta para sempre. Pois agora ele não é mais um escravo, porém muito mais do que isso; é um querido irmão em Cristo. De fato, para mim ele é muito querido. E para você agora ele é mais querido ainda, não só como escravo, mas também como irmão no Senhor. Por isso, se você me considera seu companheiro de trabalho, receba Onésimo de volta como se estivesse recebendo a mim mesmo" (Ibidem 1:15-17).
Paulo também endereça a carta à congregação, para que todos pudessem ver como a idéia se desdobrou, e compartilhar dessa nova abordagem, mais democrática e mais afetuosa.
Naturalmente essa carta de Paulo não acabou com a escravidão. Ela existe ainda hoje, tanto em sua forma literal em algumas partes do mundo, como sob uma forma mais simbólica, mas com variações não menos desafiadoras. As pessoas são subjugadas por correntes financeiras, políticas e educacionais, sendo a discriminação racial e religiosa um fator alienante.
Não está claro se havia uma diferença racial entre Paulo e Onésimo. Contudo, o ponto essencial da carta está no fato de que a grande diferença social entre eles foi claramente curada pelo respeito mútuo, que floresceu em afeto profundo. O trecho: "não é mais um escravo... é um querido irmão" (Filemon 1:16), ainda repercute ao longo dos séculos.
Mary Baker Eddy, a Descobridora e Fundadora da Ciência Cristã, viveu durante a grande luta social e a guerra civil que acabou com a escravidão física nos Estados Unidos. Ela escreveu sobre isso com grande compaixão e perspicácia, mas observou que: "Homens e mulheres de todos os continentes e de todas as raças ainda estão no cativeiro do sentido material, ignorando como obter sua liberdade" (Ciência e Saúde, p. 225).
Sob o título marginal "Emancipação Mental", ela previu uma grande libertação: "A Verdade traz os elementos da liberdade. No seu estandarte está o lema inspirado pela Alma: 'A escravidão está abolida'. O poder de Deus traz libertação ao cativo. Nenhum poder pode resistir ao Amor divino" (Ibidem, p. 224).
Algumas páginas depois, ela acrescentou: "A Ciência Cristã ergue o estandarte da liberdade e grita: 'Segui-me! Fugi da escravidão da doença, do pecado e da morte!" Jesus traçou o caminho. Cidadãos do mundo, aceitai a 'liberdade da glória dos filhos de Deus', e sede livres! Esse é vosso direito divino" (Para uma pesquisa mais completa sobre este assunto, ver Ciência e Saúde pp. 224 e 227).
O que Paulo começou com Onésimo, há quase dois mil anos, ainda se mantém vivo e tem produzido uma busca mais ampla e mais universal pela liberdade completa para todos os povos, em nossa própria época.
