Certa vez, meu pai disse para minha mãe que nunca havia desejado ter filhos. Eu sabia que ele dava o melhor de si como pai, mas, seguindo o estilo de seu próprio pai e de muitos outros homens de sua época, meu pai mergulhou de cabeça no trabalho e em outras atividades, viajava com freqüência e trabalhava até tarde. Com o passar do tempo, tornou-se cada vez menos disponível para a vida familiar.
Quando criança e, depois, como jovem adulta, minha reação de autodefesa era imaginar que não me importava com a falta de atenção do meu pai. Contudo, à medida que amadurecia, ansiava pelas qualidades e privilégios que achava que um pai atencioso teria trazido à minha vida. Algumas vezes, ficava até mesmo ressentida por meu pai não ter se empenhado com mais diligência em ser um bom pai para mim e minhas irmãs.
Um dia, enquanto orava a esse respeito, li na Bíblia estes versículos sobre Abraão: “Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!” (Gênesis 12:1, 2).
Compreendi que, tal como Abraão, eu podia deixar as limitações da casa do meu pai humano, deixar de acreditar que eu fosse um produto de pais mortais, e adquirir um senso mais amplo de vida, liberdade e possibilidades. Tive uma sensação de tamanha libertação das minhas antigas expectativas com relação a meu pai, que até a compartilhei com ele, e isso aliviou também seu senso de responsabilidade.
Ao deixar de criticar os pontos negativos, comecei a prestar mais atenção às inúmeras qualidades valiosas que meu pai trouxera à minha vida. Por exemplo: ele adorava ouvir música e viajar e acabou fazendo com que também me interessasse por essas coisas. Ele tinha um senso de humor muito aguçado e um grande apreço por idiomas, o que eu também compartilhava. Ao longo de todo meu processo de crescimento, compreendi que outras pessoas, com qualidades “paternais”, professores, um amigo do meu pai, outras famílias da igreja, como também minha mãe, proporcionaram-me orientação, afeto, atenção e cuidados paternais.
Quando meu pai faleceu, comecei a compreender melhor a verdadeira paternidade. Fiz uma lista de todos os benefícios e qualidades que um bom pai podia prover. Essa lista incluía força, disciplina, determinação, segurança e confiança. Além disso, meu pai ideal sempre acreditaria em mim. Estaria sempre disposto a orientar-me e atento para que eu aprendesse o necessário para ter êxito na vida. Ele me protegeria e ficaria ao meu lado. Percebi claramente que Deus sempre fora esse Pai para mim e sempre o seria. Qualquer ressentimento que abrigava com relação ao meu pai desaparecera, e foi substituído por uma profunda gratidão pela manifestação ininterrupta e constante da paternidade de Deus em minha vida.
Constatei essa paternidade de Deus de inúmeras formas. Por exemplo, meu marido me foi um maravilhoso exemplo de um terno amor por crianças pequenas. Ele apoiou, protegeu e cuidou de nossos filhos e de mim.
Em nossa igreja, comprovei ternos exemplos de paternidade, não apenas para com crianças grandes e pequenas, mas também com adultos. Sempre tínhamos alguns membros que, mesmo sendo homens, gostavam de colaborar na Escola Dominical e no berçário e o faziam de bom grado. Passei a observar melhor esses exemplos inspiradores de paternidade, os quais haviam se manifestado à minha volta o tempo todo.
Na Bíblia, Jesus foi um modelo de cuidado paternal para seus discípulos, para as crianças, e qualquer um que necessitasse de cura. Dei-me conta também de que ele chamava seu Pai, Deus, de “Abba Pai”. Esse é um termo íntimo, carinhoso, para papai. Por isso, comecei a me dirigir com freqüência a Deus em oração como Abba ou Papai, o que ajudou a me sentir mais conectada ao meu Pai divino, que sempre me considerou “...como a menina dos [Seus] olhos” (Deuteronômio 32:10).
Compreendi que não era a única a orar na tentativa de solucionar um relacionamento difícil. Vejo agora que muitas pessoas já tiveram relacionamentos que as decepcionaram e o resultodo é a frustração, quando esperamos que algum ser humano realize nossos anseios, de forma perfeita. Esta questão em Ciência e Saúde deve certamente calar fundo naquele que anseia receber mais atenção e mais amor de outra pessoa, seja pai, cônjuge, filho ou, até mesmo, um amigo: “Quem é que achou ser suficiente a vida ou a amor finitos para atender às necessidades e às aflições humanas—para saciar os desejos, e satisfazer as aspirações?” A frase seguinte mostra que Deus, não qualquer outra pessoa, é a fonte de satisfação mais elevada e mais confiável: “A Mente infinita não pode ser limitada a uma forma finita, senão a Mente perderia seu caráter infinito como Amor inesgotável, como Vida eterna, como Verdade onipotente” (p. 257).
Essa lição sobre relacionamentos e de como Deus nos redime de nossa dependência em relação a uma determinada manifestação de amor ou a uma presença, veio-me de forma mais nítida, alguns anos mais tarde. Na época, após o falecimento de um querido amigo e, então, de nosso amado cachorro, descobri que lutava para recuperar um senso de iluminação e de bondade em minha vida. Desejava compreender como essa luta poderia ser alçada a uma posição mais elevada em meu pensamento. Portanto, estudei tudo o que Mary Baker Eddy escreveu sobre cruz, sofrimento e morte. Comecei a perceber que ela aprendera muito sobre tudo aquilo que escreveu e demonstrou, por meio da superação de seu próprio sofrimento, o que incluía a perda e o pesar. Discernir como Mary Baker Eddy e Jesus enfrentaram corajosamente seus desafios, ajudou-me a sentir mais próxima de Deus. Pude constatar que um ponto de vista espiritual mais elevado e a libertação final do sofrimento estão disponíveis a todos, se perseverarmos, em espírito de oração, em nossa confiança no constante cuidado do nosso Pai-Mãe celestial.
A certa altura durante esse tempo, enquanto fazia compras, de repente fui tomada por uma forte dor na coluna. Mal podia ficar em pé. Imediatamente me volvi para minha nova compreensão de Deus. Orei: “Abba, Papai, sei que Tu podes me curar dessa dor agora mesmo. Mas isso não me fará te amar mais. Eu já te amo e sou grata pelo apoio que Tu sempre me dás".
Longe de sentir falta dos benefícios do amor excessivo de um pai humano, aprendi que o amor do Pai não poderia se aproximar mais de mim, pois ele está sempre tão próximo como meus próprios pensamentos e tão disponível como a oração.
Naquele exato momento, a dor desapareceu para nunca mais voltar. Contudo, essa foi a parte menos importante dessa experiência. Junto com o desaparecimento da dor, sobreveio-me uma sensação de amor terna e poderosa, e percebi que vinha diretamente de Deus. A atmosfera ao meu redor parecia repleta de ternura. Muito embora estivéssemos no auge do frio em novembro, o céu acinzentado lá fora parecia brilhar e as árvores sem folhas resplandeciam com a luz.
O senso inspirado a respeito do meu terno relacionamento com Deus nunca mais me deixou. Tinha finalmente me conscientizado do imenso e constante amor paternal de Deus para cada um de nós. Nada que possamos fazer jamais mudará isso. Minha atitude havia passado de respeito generalizado por Deus e de temor que não estivesse à altura de Suas expectativas, para uma convicção sólida do Seu amor paternal eterno para comigo e para com todos os Seus filhos.
A promessa de Deus para nós é: "Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus... Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim" (Jeremias 32:38, 40). É da natureza de Deus nunca abandonar ou rejeitar qualquer um dos Seus filhos amados. Agora, quando oro, posso facilmente dizer a Deus: “...Com amor eterno eu te amei;”, de forma a ecoar a antiga promessa em Jeremias (ver 31:3). Continuo a perceber que estou cercada pelo Seu cuidado paternal. Longe de sentir falta dos benefícios do amor excessivo de um pai humano, aprendi que o amor do Pai não poderia se aproximar mais de mim, pois ele está sempre tão próximo como meus próprios pensamentos e tão disponível como a oração.
Nosso Pai tem o mesmo relacionamento íntimo com todos os Seus filhos e nenhum de nós tem de dividir a atenção dEle com mais ninguém.
