Não sabemos praticamente nada sobre um dos homens mais espiritualizados que já viveu no planeta Terra, apenas que ele tinha um relacionamento muito íntimo com Deus. Na realidade, tão íntimo que nunca morreu. Ao contrário, viveu muitos anos e então foi elevado aos céus. Também sabemos que seu nome era Enoque, e isso é tudo o que sabemos.
Minha intuição diz que esse homem não vivia em um palácio, nem desfrutava de um estilo de vida material extravagante. Ele é um dos meus heróis, porque o imagino como um exemplo de simplicidade e pureza espirituais. De fato, temos mais conhecimento sobre Elias e, muitíssimo mais, sobre Cristo Jesus. Todos os três, e talvez outros, encontraram o seu caminho rumo ao céu, por assim dizer, de forma não convencional. Eles se desprenderam da tradição.
A importância dessas três experiências de vida não foi construída em torno do acúmulo de uma típica bagagem material. A vida deles consistia mais em um afastar-se do mundano do que em assimilá-lo. Em última análise, eles não tinham excesso de bagagem material, a ponto de não conseguirem ser elevados acima da mortalidade.
Nosso corpo
Cristo Jesus tinha a expectativa de que fizéssemos muitas das coisas que ele fazia. Esse é um chamado para se começar a pensar sobre o que significa se afastar do mundo. Se tentarmos passar por uma porta estreita com muita bagagem, simplesmente não conseguiremos. Também, se nos desfizermos de parte dessa bagagem de forma aleatória, ficaremos sem equilíbrio, titubeantes, e não será possível passar direto pelo vão da porta estreita.
O livro Ciência e Saúde, de Mary Baker Eddy, explica como o Consolador nos dá o equilíbrio necessário. Ele nos capacita a passar com estabilidade, de uma ênfase excessiva em uma forma de identidade material, tradicional, para uma forma mais espiritual. Mary Baker Eddy era extraordinariamente visionária e igualmente prática. Compreendia o quão realista era o chamado do Consolador para renunciarmos à carne. Afirmou, por exemplo, que podíamos começar a demonstrar nossa identidade espiritual, verdadeira e completa, e, ao mesmo tempo, insistiu em que não deveríamos desistir prematuramente de comer e dormir. Ela rejeitava o crescente ritualismo das teorias médicas e materiais, a respeito de como o alimento e os remédios, o exercício e a dieta, beneficiavam o corpo. Ela os considerava como camadas de tradição pesando sobre nós, ao invés de nos elevar.
Às vezes, Jesus permanecia acordado durante toda a noite em oração. Mas ele também dormiu em um barco durante uma perigosa tempestade. Ele comia com seus discípulos e, até mesmo, os alimentava. Entretanto, também saía, por períodos de tempo prolongados, levando pouquíssimo ou nenhum alimento. Ele se deslocava com desenvoltura no âmbito das experiências humanas. Houve ocasiões em que suas ações pareciam irreais. Contudo, ele sempre sabia ao que se apegar e ao que renunciar, como também o tempo exato para realizar as coisas. Não permitia que a natureza humana paralisasse seu progresso, nem permitia que as doutrinas e os credos dos fundamentalistas de sua época o influenciassem.
O Fundador do Cristianismo, bem como a Descobridora de sua Ciência, desafiaram um ponto de vista material e limitado da realidade. Ambos falaram a respeito da tradição e o fizeram de uma forma geralmente negativa. Sabiam que precisávamos romper com qualquer coisa que inibisse nossa capacidade de superar a mortalidade. Sabiam também que precisávamos fazer isso com equilíbrio, graça e autoridade espiritual. Um ponto de vista que se volta para a superação da matéria pode, na verdade, possibilitar ao corpo prosperar em saúde. Por outro lado, ao se apegar ferrenhamente a esse corpo físico, pode-se interromper o seu funcionamento normal.
Jesus falou a Nicodemos sobre a necessidade de nascer de novo. Nicodemos compreendia as coisas de forma literal. Nascer fisicamente de novo? Jesus naturalmente se referia a um processo na linha da tradição de Enoque ou Elias, a um renascimento espiritual. Uma transformação que leva a uma nova concepção a respeito do ser. Uma “aparência transformada e uma forma mais divina” (Miscellaneous Writings 1883–1896, p. 68). O progresso e a prosperidade podem acompanhar essa disposição de se livrar das limitações materiais e de se adotar uma nova perspectiva sobre a existência.
Nossa Igreja
Existem alguns paralelos para tudo isso, no que se refere à capacidade de uma igreja progredir e prosperar. A igreja original cristã era muito diferente da igreja cristã de hoje. Muito freqüentemente, hoje em dia ela está sobrecarregada por camadas de tradição, tanto materiais quanto teológicas. Mary Baker Eddy se empenhou seriamente em privar sua igreja do acúmulo dessas camadas. Seu Manual da Igreja é de espessura diminuta, livre do exagero de regras e regulamentos detalhados. Se observado com atenção, percebemos que ele não permite que a letra se sobreponha ao espírito e que há uma maravilhosa simplicidade nele.
À medida que encontrarmos o equilíbrio perfeito e não ficarmos acorrentados demasiadamente às tradições, aprenderemos finalmente a deixar nosso corpo físico para trás. O mesmo acontece com o corpo coletivo. A organização humana finalmente será ultrapassada. Contudo, se as coisas fugirem ao controle e o corpo coletivo ficar coberto por camadas de tradição, não se desenvolverá de maneira científica. Um excesso de “bagagem” pode levar a organização humana a seguir o padrão da vida humana, ou seja, juventude e maturidade, meia-idade e acomodação, idade avançada e declínio. Essa é a receita para se apegar à organização material, ao invés de romper com ela. Existe apenas uma maneira de realmente se desprender, tanto do corpo individual quanto do coletivo. É começar a se desligar do dogmatismo mental e a abandonar as tradições do materialismo. Mary Baker Eddy escreveu sobre o nosso despertar da longa noite do materialismo e o associou ao cumprimento do propósito da organização da igreja. Por fim, ela explicou que a igreja “existirá tão somente nos afetos e não necessitará de nenhuma organização para expressá-la. Até lá, essa maneira de expressar nossa semelhança divina parece ser um requisito para manifestar seu espírito, assim como a individualidade é requisito para expressar a Alma e a substância” (Miscellaneous Writings 1883-1896, p. 145).
Muitas denominações têm enfrentado declínio em seu quadro de membros. Sinais de uma oscilação decrescente em A Igreja Mãe começaram por volta de 1931, quando o número de pedidos de filiação chegou ao ápice. Isso aconteceu apenas duas décadas após o falecimento de Mary Baker Eddy. Já a tradição começava a se estabelecer. Então, instalou-se um declínio generalizado em 1951. Portanto, durante bem mais de meio século, houve a necessidade de honestamente se enfrentar a diminuição no número de membros. Superficialmente, nossa igreja parecia relativamente livre de rituais e tradições, dogmatismo e formalidade. Mas todos nós, como membros da igreja, teremos de considerar nossos pensamentos mais íntimos. Como muitos outros, tive de examinar bem fundo dentro em mim e perguntar por que eu realmente me apegava a algumas perspectivas. Seria por uma boa razão? Estaria usando a metafísica para sustentar meus pontos de vista pessoais? Minha demonstração de estabilidade se assenta corretamente sobre o Princípio, em vez de meramente no modo pelo qual sempre presumi que as coisas deveriam ser? (Independentemente do fato de alguém apreciar muito ou opor-se às tradições, Mary Baker Eddy desafia a cada um de nós em seu livro Não e Sim, p. 8).
Pode haver muitos fatores por trás do declínio gradual em nossa igreja. Mas, ao orarmos sobre isso, não nos esquivemos da humildade necessária para nos desfazermos de toda e qualquer bagagem que nos impeça de progredir. O acréscimo de membros de algumas décadas atrás não garantiu um futuro próspero. Juntamente com os números de membros cada vez maiores, não poderíamos talvez acrescentar alguns excessos mentais, ou mesmo materiais, à pura simplicidade da Igreja? Talvez o que precise ser acrescentado à nossa igreja, a fim de evitar um gráfico material que sobe e desce, não seja meramente um quadro de membros em crescimento.
Precisamos de renascimento “interior”. Então, teremos o que precisamos “externamente”. Se estivermos preparados para abandonar o excesso de bagagem mental e nos renovarmos interiormente, prosperaremos externamente. Isso é verdadeiro tanto para o corpo individual como para o coletivo. De fato, estamos em condições de dizer, de certa maneira, que hoje podemos ter dezenas de milhares de “novos” membros, se todos os que se “filiaram” seguissem a orientação de nossa Líder acerca do que realmente significa ser um menbro. “Só nos podemos unir a essa igreja à medida que nascemos de novo do Espírito [nuances da necessidade do Nicodemos?] e alcançamos a Vida que é a Verdade e a Verdade que é a Vida, produzindo os frutos do Amor — expulsando o erro e curando os doentes” (Ciência e Saúde, p. 35).
Nosso objetivo é infinitamente maior do que ter um corpo individual ou coletivo saudável. Sim, é certo e normal que ambos prosperem. Contudo, se focarmos em demasia na evidência exterior dessa prosperidade, talvez possamos facilmente perder de vista o fato de que estamos nos empenhando em nos desprendermos de ambos. Nesse caso, encontramos os dois corpos com tendência a acumular bagagem, e a bagagem atrapalha o caminho do progresso. Nosso novo nascimento deveria acontecer diariamente. Deveríamos ficar cheios de alegria e gratidão pela revelação da Verdade, de que nossa vida vem contando ao mundo inteiro a história da segunda vinda do Cristo. Deve haver novas maneiras para que nossa individualidade seja expressa, como também novas maneiras para que o corpo da nossa igreja seja expresso. As precisas diretrizes fornecidas pelo Manual da Igreja proporcionam muitas oportunidades para a renovação e a inovação.
Lembro-me de uma reunião de testemunhos das quartas-feiras à noite, quando o Primeiro Leitor veio para o púlpito através da porta tradicionalmente usada pelo Segundo Leitor nos cultos dominicais. Quase que se podia ouvir um pouco da consternação por parte da congregação. “O que está errado?” “O que isso significa?” Então, o Primeiro Leitor leu uma seleção profunda sobre “mudança”!
Quando nos sentirmos em paz com relação à flexibilidade oferecida pelo Manual da Igreja, não ficaremos chocados nem tomados de surpresa com mudanças naturais. Seguiremos em frente. Contudo, não desviaremos nossos olhos da meta elevada, do renascimento que finalmente nos eleva acima de toda limitação mortal.
Ponderemos sobre estes pontos:
• O corpo individual ou identidade será saudável e verdadeiramente próspero, somente à medida que estivermos preparados para nos libertar das tradições, das camadas de pontos de vista dogmáticos e materiais, que tentam melhorá-lo ou sustentá-lo.
• Nós nos desprendemos do corpo físico com equilíbrio, passo a passo, à medida que visualizarmos mentalmente nossa verdadeira identidade espiritual.
Deve haver novas maneiras para que nossa individualidade seja expressa, como também novas maneiras para que o corpo da nossa igreja seja expresso.
• A organização da igreja será saudável e genuinamente próspera, somente à medida que estivermos preparados para nos libertarmos da tradição, das camadas de pontos de vista dogmáticos e materiais que tentam melhorá-la ou sustentá-la.
• Desprendemo-nos do conceito da organização humana da igreja com equilíbrio, passo a passo, à medida que mentalmente visualizamos a Igreja verdadeira e real, a estrutura da Verdade e do Amor.
Esses pontos ajudarão o corpo humano e o corpo da igreja.
