A atitude em relação ao uso do castigo corpóreo, para disciplinar crianças, mudou consideravelmente com o tempo. Quando eu cursava a oitava série, por exemplo, um garoto de minha classe foi chamado, certo dia, para a sala do diretor. Ali, pendurado à parede, havia o que era chamado de "cobra-preta", um chicote com um cabo grande e uma longa correia de couro trançada. O diretor pegou o chicote, sacudiu-o algumas vezes e disse: "Soube que você não está tirando boas notas. Bem, você sabe o que o espera se não melhorar!"
O menino saiu da sala aterrorizado. Estava atrasado no estudo porque estivera doente a maior parte do ano anterior. Como não entendia a matéria e era muito tímido para perguntar ao professor, havia uma grande distância entre o que deveria e o que conseguiria fazer. Por isso, fez uso da única saída que lhe parecia restar: começou a copiar as respostas de outros alunos. Após algumas semanas, suas notas melhoraram.
De novo foi chamado para a sala do diretor que, desta vez, lhe disse: "Está vendo o que você consegue fazer quando se esforça? Agora não precisa mais temer este chicote." Infelizmente o equívoco do diretor deixou o garoto com a impressão completamente errada de que o logro pode diminuir a distância entre "eu deveria" e "eu consigo".
Podemo-nos compadecer desse garoto e da conclusão errada que extraiu dessa experiência, visto todos termos de enfrentar nossas próprias limitações. Até mesmo S. Paulo, que muito se empenhou em seguir os ensinamentos de Cristo Jesus, parece que às vezes não o conseguiu. Ele escreveu em Romanos: "Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço."
Todo esse conceito de "não consigo" está baseado na crença de que o homem é um mortal com capacidades finitas, perspectiva essa que também nos tenta a pensar que somos mortais em concorrência, em conflito, em sujeição a outros mortais e, por fim, que somos mortais em estado de desespero. O que, então, nos guia na direção oposta, para a confiança e a esperança?
Em primeiro lugar, se reconhecermos que não há separação alguma, nem mesmo da espessura de um fio de cabelo, entre Deus e o homem à Sua semelhança espiritual, poderemos aceitar o fato de que o homem tem capacidades duradouras e infinitas, que lhe são inerentes. O poder e a perfeição de Deus se expressam na Sua imagem, o homem. À medida que reconhecemos e acalentamos esses fatos em nossa atividade diária, gradativamente nossa experiência se amplia e se aperfeiçoa. Descobrimos que as limitações desaparecem uma a uma e que as possibilidades ilimitadas de nosso verdadeiro ser como homem de Deus, se tornam evidentes devido à crescente compreensão de quem realmente somos.
Cristo Jesus não tinha dúvidas quanto a quem ele era. Reconhecia a Deus como seu Pai e provava sua filiação espiritual através de curas e demonstrações do poder de Deus. Além de não deixar nenhuma distância entre "deveria ser perfeito" e "consigo ser perfeito", mostrou que em realidade o homem é, agora e sempre, perfeito. Jesus, no entanto, não reivindicou apenas para si a habilidade de superar as limitações da existência mortal. Disse: "Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste."
Sendo Deus, o Espírito, causa perfeita, é evidente que Sua semelhança espiritual, o homem, deve ser produto perfeito dessa causa. A profunda consciência de sua filiação espiritual habilitou Jesus a exercer a autoridade, dada por Deus, sobre a doença, o pecado e a morte. À medida que estamos conscientes de nossa natureza espiritual como filhos e filhas de Deus, também nós expressamos autoridade para curar.
Não importa se "Sede vós perfeitos" é interpretado como mandamento divino ou como reconhecimento de um fato espiritual vigente. Sabemos que, em qualquer empreendimento, não se demonstra perfeição sem esforço. Mas podemos começar por onde estamos, com o que já sabemos fazer.
Todo motivo, pensamento ou ato puro, paciente, amável e honesto, por exemplo, nos aproxima mais do padrão divino de bondade e assim expressamos a perfeição em certa medida. Cada tentação superada, cada pecado vencido, habilita-nos a manifestar em certo grau o homem perfeito que Jesus refletia tão maravilhosa e completamente. A fidelidade às leis morais e espirituais de Deus traz proteção e cura para nós e para os outros, provando a perfeita segurança, paz e saúde que o homem tem em Deus.
Meu marido e eu, certa vez, demonstramos algo da lei de Deus. Um senhor para quem meu marido trabalhava, lhe dificultava o trabalho, por isso todo dia meu marido saía de casa arrastando os pés e com os ombros caídos. Por mais que se esforçasse para trabalhar com cuidado, presteza e gentileza, só recebia desaforos. Embora tentado a sair do emprego, achava que era importante vencer seu sentimento de fracasso e frustração enquanto continuasse lá. Ambos sentimos que precisávamos nos certificar novamente da verdade da seguinte passagem de Ciência e Saúde, de autoria da Sra. Eddy: "Aquele que faz o maior bem, não é o que incorre no castigo mais severo."
Durante essa época, nossas orações nos ajudaram a perceber que nenhum indivíduo está excluído da bondade de Deus e que o Amor divino, o Princípio, é a fonte de toda verdadeira lei e autoridade. A convicção crescente de que Suas regras e Sua misericórdia estão sempre em ação, nos fez ver que quando nos atemos a elas em nossa vida, são bastante poderosas para anular a crueldade e a injustiça.
Quando conseguimos compreender que nem o papel de vítima nem o papel de tirano representavam o verdadeiro ser de meu marido e de seu chefe, percebemos que podíamos dizer como Paulo: "Nada disso me perturba." Meu marido finalmente se sentiu em paz, o que era o mais importante. Pouco tempo depois, as explosões emocionais de seu chefe cessaram. Como resultado disso, naturalmente, ficou muito mais fácil se relacionar com ele.
Não muito tempo depois, a companhia foi vendida e ambos foram trabalhar em outras firmas. Poucos dias antes de deixar o emprego, o chefe de meu marido veio falar com ele e, abraçando-o, disse: "Você é um homem íntegro. É o melhor homem com quem já trabalhei em toda a minha carreira." Esse "homem íntegro" conhecera a Ciência Cristã já adulto e desde esse momento, através do estudo dessa Ciência, vinha obtendo uma percepção cada vez mais iluminada de si mesmo, o que efetivamente tinha eliminado muitas vezes a distância entre o fracasso e o sucesso, entre o "deveria" e o "consigo". Fora ele que, quando garoto, tinha sido amedrontado por um diretor e tinha chegado a acreditar que era preciso enganar para ter sucesso!
A espiritualidade e as qualidades espirituais são inatas em nós, não são algo que nos é acrescido e subseqüentemente pode ser subtraído. O autoconhecimento espiritual nos dá poder para fazer o que antes parecia impossível. À proporção que despertarmos para nosso verdadeiro ser e desafiarmos as limitações mortais, eliminaremos a distância entre "eu deveria" e "eu consigo" e expressaremos a perfeição do homem semelhante a Deus.
