Cristiana Mesquita é jornalista internacional há 23 anos. Morou em Londres por seis anos. Já trabalhou para a TV Globo e teve uma produtora de vídeo. Há 10 anos cobre áreas de conflito. Esteve na Bósnia, em Kosovo, em diversos países da América Latina. Trabalha para uma agência americana de notícias, a Associated Press. É uma pessoa extremamente tranqüila, corajosa e prudente. Concedeu-nos esta entrevista quando estava na Venezuela, cobrindo as manifestações civis contra o presidente Hugo Chávez.
A espiritualidade tem algum papel na sua vida profissional e pessoal?
Cristiana Mesquita: Sempre teve. Não escolhi uma religião, mas identifico-me com muitas. Sempre li a Bíblia e consulto esporadicamente Ciência e Saúde. Como quis conhecer Mary Baker Eddy como mulher, como personagem significativa de sua época, li a biografia escrita por Gillian Gill.
Para mim é fascinante a garra que Mary Baker Eddy teve para enfrentar os preconceitos contra a mulher, em sua época. Para mim, ela teve uma coragem incrível ao decidir ser líder de um movimento religioso, que tem uma visão positiva da vida e que prega a cura espiritual. Sinto-me agora muito próxima da Christian Science por saber que a Sra. Eddy foi uma pessoa comum, com desafios e vitórias. Acredito que se nos empenharmos, conseguiremos coisas semelhantes às suas consquistas.
LL: Por que você começou a ler Ciência e Saúde?
CM: O que me impressionou foi o total entusiasmo da minha irmã. Ela é muito metódica e aplicada e começou a dar-me papéis para ler, com trechos de Ciência e Saúde e da Bíblia. Ciência e Saúde é um livro que me conforta quando estou angustiada ou com dúvida. O livro me ajudou a ver que posso entregar tudo na mão de Deus. Com fé, dará tudo certo.
LL: Você acredita na cura espiritual?
CM: Acredito, apesar de não ter tido ainda nenhuma experiência para relatar. Mas, como eu já me vi doente, por "pensar errado", e tenho a plena noção disso, não vejo nenhuma razão por que eu não possa me curar com um bom pensamento.
LL: Qual é a relação que você vê entre Deus, o pensamento e a cura?
CM: Acho que todo o pensamento é baseado em conhecimento e em sentimento. Na parte do sentimento, a presença de Deus é muito forte. Tenho trabalhado em zonas de conflito e em zonas de guerra e, muitas vezes, senti a presença de Deus. Em momentos de perigo, tive uma tranqüilidade quase que inexplicável. Enquanto todos estavam apreensivos, com medo, e com raiva, eu estava calma, sentia-me amparada e tentava irradiar o bem para as outras pessoas.
LL: Por que você se sentia assim?
CS: Porque eu tenho muita fé no bem, apesar de ter presenciado atuações terríveis do mal. Parto do princípio de que quem está me apontando uma arma, por exemplo, é um filho de Deus, alguém tão bom quanto eu, portanto ele não vai me fazer nenhum mal.
LL: Você se tornou muito conhecida quando esteve no Afeganistão, em setembro de 2001. Conte-nos um pouco sobre essa sua experiência.
CM: Fui coordenar uma equipe de dez jornalistas americanos, ingleses e italianos. Eu era a única mulher. Conseguimos um avião militar que nos levou até uma cidade na fronteira do Afeganistão. Tínhamos aproximadamente 1,5 toneladas de equipamento. Nossa base seria Jabal Saraj, a 70 km ao norte de Kabul, onde estaríamos relativamente protegidos, mas próximos às linhas de frente talibãs e de Kabul para fazer a cobertura do avanço das tropas. Jabal Saraj fica somente a 280 km da cidade a que chegamos, mas não existe estrada. Viajamos em dois jipes velhos e um caminhão russo, em velocidade média de 8 km/h. Tínhamos de passar por montanhas que chegavam a quatro mil metros de altura. Quando eu olhava para as rodas do caminhão na beirada dos precipícios e via pedras caindo, tinha certeza de que Deus estava ao nosso lado. Houve momentos em que tivemos de reconstruir pontes e entrar em água gelada para saber a profundidade do rio.
LL: Vocês conseguiram completar a viagem bem?
CM: Felizmente não tivemos nenhum acidente, e acredito que a consciência da presença de Deus fez diferença. Outro carro de jornalistas italianos caiu num rio, mas nós os resgatamos e os levamos conosco.
LL: Como foi sua estada no país?
CM: Ao chegar ao Afeganistão, o choque foi maior do que eu esperava. Era como se eu tivesse feito uma viagem no tempo. A paisagem é diferente, montanhosa, o clima é muito árido. Quando eu passava pelas estradas e via homens puxando os burricos que carregavam mulheres cobertas, tinha a impressão de estar vivendo uma cena bíblica. Isso me fazia imaginar José, Maria e Jesus a caminho de Belém.
Aquele é um povo que tem suas próprias riquezas: a fé é muito grande, as pessoas são unidas, há integração familiar e a espiritualidade deles está acima do bem-estar.
LL: Como você teve a oportunidade de detectar essa espiritualidade e sentir essa integração familiar?
CM: Pela convivência. Fiquei um mês e meio vivendo em um vilarejo, na casa de uma família afegã, que nos alugou a casa. Nossa comunicação era por meio de intérprete, mas comíamos a mesma comida ou não comíamos se não houvesse comida. A estrutura familiar era muito presente: o pai, a mãe, os avós, todos morando juntos, como deve ter sido há muitos anos, quando o ser humano era menos individualista. Um problema de uma pessoa dali é o problema de toda a comunidade.
Alguns afegãos estavam trabalhando conosco e eles param cinco vezes por dia para rezar. Se estávamos em um taxi, o motorista parava o carro, estendia seu tapete e começava suas orações. No início eu me irritava, mas depois, enquanto ele se preparava, eu descia do carro, sentava em uma pedra e começava a orar também. Comecei a me sentir muito melhor. Ao invés de me irritar, eu aproveitava para conversar com Deus.
LL: E como era essa conversa?
CM: Eu agradecia sempre. Sinto feliz por ter tido oportunidades de fazer o que amo, de conhecer pessoas, de conviver com culturas diferentes. Eu também pedia a Deus que me ajudasse a entender aquele povo e que nos mantivesse vivos até o fim da jornada. Essas conversas com Deus me ajudavam a ter um dia melhor e a ser mais tolerante.
LL: Você teve de superar preconceitos da parte da sua equipe?
CM: Bem, se houve algum preconceito da parte deles, foi anulado na primeira semana. Nossa chegada até a cidade em que nos hospedaríamos exigiu muito de nós. Acho que eles se perguntavam quando eu iria parar e chorar no meio do caminho. Foram quatro dias e quatro noites, sem ter onde dormir, sem banheiro, comendo somente biscoito. Quando eles viram que eu suportei isso muito bem, passaram a me respeitar mais. Tive de ser muito forte, porque além de mulher, sou uma mulher brasileira, país considerado subdesenvolvido por muitos.
LL: Enfrentar situações conflitantes, vencer barreiras e superar preconceitos não deve ser algo tão fácil. Como você faz?
CM: Eu enfrento muito bem essas situações fisica e emocionalmente. Muitos jornalistas sofrem de síndrome de estresse pós-traumático. E para eles é difícil voltar para casa, adaptar-se a uma vida normal. No meu caso, quando volto para casa, tenho de ir ao supermercado, pagar contas, e cuidar dos meus dois filhos. Minha paz e minha sanidade vêm de minha vida familiar extremamente rica e sólida. Somos cinco irmãos e nos amamos muito. Sempre me senti muito amparada. A minha fé no bem também me ajuda muito.
LL: Como você conseguiu manter o equilíbrio familiar e criar seus filhos?
CM: Eu lhes expliquei porque faço esse trabalho. Certa vez, quando meu filho tinha cinco anos, eu sentei na cama dele para me despedir e ele me perguntou por que eu iria viajar. E me ocorreram diversas respostas, mas achei que nenhuma faria sentido para ele. Então, respondi que eu teria de viajar porque eu gosto. "Gostar" foi um conceito que ele entendeu facilmente. É obvio que adoro ficar com meus filhos, mas também gosto do meu trabalho. Por isso, não me sinto culpada e nunca passei para eles a sensação de sacrifício. Meu marido é um excelente pai e, por ser professor, seus horários são bem estabelecidos. Também consegui passar para meus filhos que não sou a única fonte de amor e proteção. Eles sempre puderam contar com os avós e as tias que os amam como se fossem seus próprios filhos.
LL: Há alguma passagem da Bíblia a que você sempre recorre?
CM: Sem dúvida, há uma frase de que me recordo sempre, principalmente em momentos muito difíceis: "O Senhor é meu Pastor, nada me faltará" (Salmo 23:1). Muitos jornalistas são céticos, e comentam: "Eu acredito em Deus, mas não sei se Ele acredita em mim". Mas eu não entendo porque as pessoas dizem essa frase, pois comigo é justamento o contrário. Pode ter até momentos em que eu não acredite em Deus, mas sinto que Deus acredita em mim o tempo todo!
LL: Hoje você está na Venezuela, diante do protesto civil contra o presidente. Você disse anteriormente que confia no bem. Como você consegue vê-lo neste momento?
CM: Vejo o bem se manifestando no quanto as pessoas estão tentando resolver isso sem violência. Há manifestações feitas por jovens, donas de casa com crianças, mas sempre pedindo paz. E o próprio presidente Chávez tem sido tolerante e evitado os conflitos. Ele pede aos que o apóiam que fiquem em casa, para não haver confrontação.
LL: Você teria alguma mensagem para as mulheres?
CM: Eu estava em Serajevo quando os serbos bombardearam o mercado. Cheguei logo em seguida. Era uma cena de horror absoluto, pessoas morrendo na minha frente. Eu lembro que, após o trabalho, voltei para o hotel, ajoelhei-me e disse: "Deus, por que eu não me transformo em um animal qualquer? Não quero mais fazer parte dessa raça". Mas, de repente, eu pensei: "Eu não posso estar falando isso. Não posso me basear só no que acabei de ver". Esforcei-me para me lembrar de maravilhas feitas por outros seres humanos. Obras de bondade.
Por mais difícil que esteja a situação, por mais desiludida que eu esteja com os seres humanos, penso em Jesus, penso nas pessoas que amo e sei que são boas, penso na dedicação que meu pai teve, como médico, para com seus pacientes. E assim vejo que o que aconteceu de ruim não representa o verdadeiro ser humano, pois o verdadeiro ser humano é bom.
