Ruth Spirics estuda a Christian Science desde criança. Freqüentou a Escola Dominical e foi membro ativo da 2a igreja de Cristo, Cientista, e hoje dedica-se à 4a Igreja, ambas em São Paulo. É educadora, formada em biologia pela Universidade de São Paulo (USP) e também pedagoga. Está no magistério há 34 anos, dos quais 7 anos e meio como Diretora da Escola Estadual Prof. Isaltino de Melo, em Santo Amaro, região Sul da cidade de São Paulo. Essa escola atende aproximadamente 2.000 jovens, entre 11 e 20 anos. Ruth inicia sua jornada de trabalho bem cedo, é casada e mãe de dois filhos: Fernanda, 15, e Juliano, 16. Concedeu esta entrevista a Maranatha Milani.
Maranatha Milani: Ruth, como é sua rotina na escola?
Ruth Spirics: Não há rotina! Cada dia é diferente. Mesmo que todos os professores estejam presentes, que não haja falta de funcionários, nunca um dia é igual ao outro. Às vezes, penso que vou conduzir o dia de uma forma e, quando chego ao portão, já encontro uma situação que tenho de resolver. Pode ser um conflito entre dois alunos, ou um aluno que tenha passado mal, ou uma mãe que tenha vindo à escola para ver alguma coisa...
MM: Na posição de diretora, você deve passar diariamente por situações difíceis. Diria, entretanto, que é uma educadora?
RS: Claro que sim. Mas, na verdade, gasto 70% do meu tempo resolvendo conflitos: problemas variados nas relações entre alunos, entre professor e aluno, aluno e funcionário, família e aluno, situações que as pessoas não conseguem resolver entre si e cabe à Direção encontrar um caminho.
MM: Você se considera uma espécie de juíza?
RS: Não só juíza, mas também interventora, conselheira, amiga, profissional da saúde, etc. Todas essas habilidades são necessárias para atuar num universo em que há diferenças individuais, diversidade de classes sociais, de religiões e etnias.
MM: Como você se prepara para enfrentar diariamente tudo isso?
RS: Ah, é só com oração e com o estudo das Lições Bíblicas Semanais, compostas por trechos da Bíblia e de Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, de Mary Baker Eddy. Houve uma época em que eu, procurando inspiração, lia diariamente vários Salmos. O ambiente escolar era tão pesado que eu necessitava de apoio espiritual para ter calma, equilíbrio e sabedoria para enfrentar meu dia-a-dia. Continuamente afirmo a presença e o poder de Deus em minha vida e na da escola.
MM: Esse preparo surte efeito?
RS: Claro que sim. Eu me sinto mais segura como pacificadora. Se estou agitada, não tenho como apaziguar um tumulto. Só é possível solucionar um conflito com inspiração. Busco fortalecimento espiritual, pois, às vezes, tenho a sensação de que estou saindo de casa para entrar numa luta!
MM: Qual é a maior dificuldade que você encontra nessas situações?
RS: Lidar com os familiares — pai, mãe ou avós — que, com sua superproteção, sempre acham que os outros estão errados. Há também casos opostos, de completo desinteresse dos pais pelos filhos, causando extrema carência e gerando revolta e violência.
MM: Cite um exemplo de comportamento de uma criança carente.
RS: Às vezes, a carência aparece na mudança do rendimento escolar. De repente, a criança começa a tirar notas baixas em todas as matérias. Conversando, percebo que seu desejo é, de uma forma ou de outra, chamar a atenção dos pais. Ela quer dizer: “estou aqui”, “olhe para mim”. A nota baixa é um recurso. Há casos de crianças tão abandonadas pelos pais por falta de tempo, por desinteresse ou pelo fato de os pais levarem um vida promíscua que tenho a impressão de que a qualquer momento possam dizer: “Socorro!” “eu existo!” O cenário é muito triste.
MM: Você já presenciou cenas de violência?
RS: De inúmeras formas. Certa vez, após uma discussão com a mãe, uma adolescente fez um corte enorme no braço. Ao chegar à escola, as amigas a encaminharam para minha sala. Seu braço estava muito ferido. Como o problema era grave, eu a levei a um Pronto-Socorro. No caminho, disse-lhe que Deus a amava e que ela deveria amar a si própria, visto que é uma idéia de Deus. Sendo assim, ela só podia ter um sentimento de amor por si mesma, pois era Sua filha querida. Por ser Deus, Amor, ela não poderia ter nenhum pensamento destrutivo. Lembrei-me da passagem de Gênesis 32:24, onde Jacó luta com um homem, até ser abençoado por ele; depois dessa luta, Jacó passa a manquejar. Disse à menina que, se ficasse com uma cicatriz, deveria se lembrar que era a filha amada de Deus e que aquele era somente o símbolo da mudança de atitude em sua vida. A partir de então, ela passaria a expressar grande amor por si mesma. Outro dia, conversei com essa aluna e, olhando seu braço, mencionei que ela era a filha amada de Deus. Ela balançou a cabeça, confirmando que sabia disso e sorriu. Foi como pude ajudá-la, introduzindo um conceito espiritual em sua vida.
MM: Como você identifica conflitos causados pelos pais?
RS: Há casos em que o aluno se apresenta desatento, agressivo e, ao conversar com ele, descubro que o problema está no lar. Às vezes, o pai bate na mãe e nos filhos e, outras vezes, a criança se depara com o alcoolismo, falta de amor e desunião familiar. A solidão também é comum. Durante a conversa, percebo que a escola é seu único apoio. Por isso, é necessário e importante oferecer-lhe uma base espiritual para a vida.
Em tais casos, procuro substituir todo o meu sentimento de pena ou tristeza, compreendendo, cada dia melhor, a definição de “filhos” que Mary Baker Eddy dá em seu livro Ciência e Saúde: “Os pensamentos e representantes espirituais da Vida, da Verdade e do Amor” (p. 582). Como pensamentos de Deus, cada criança já tem tudo o que precisa: carinho, afeto, apoio, amor.
MM: É possível ajudar os pais?
RS: Numa manhã fui procurada por uma mãe que estava aflita, chorando muito, angustiada. Sofria de depressão e síndrome do pânico. Estava desesperada, com medo de que seus filhos, de 14 e 12 anos, pudessem se tornar drogados. Perguntei-lhe se havia acontecido alguma coisa para que ela tivesse esse medo. Ela respondeu que não; apenas assistia à TV, lia jornais e seu medo estava aumentando a cada dia. Disse-lhe que deveria colocá-los nas mãos de Deus, pois Ele cuidava integralmente de cada um de Seus filhos. Como ela não se acalmou, peguei a Bíblia e pedi que lesse o Salmo 121, que fala do socorro que Deus nos dá e como Ele guarda a saída e a entrada de cada um de nós. Ela leu três vezes esse Salmo; quando se acalmou dei-lhe dois Arautos para ler em casa. Uma semana depois, ao encontrá-la, estava sorrindo e disse que queria comprar um Ciência e Saúde. Vendi-lhe um. Quinze dias depois, ao vê-la novamente, contou que havia lido apenas dois capítulos, pois não mudava de parágrafo até entendêlo completamente. Afirmou ter superado todo o medo. Um mês depois, voltou a trabalhar, curada da depressão e do pânico.
MM: Como você aplica as regras disciplinares de correção?
RS: Como Diretora, tenho de cumprir a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Regimento da Escola, aplicando punições de acordo com as infrações. Mas, antes de qualquer coisa, me conscientizo de que as leis humanas estão sob o governo das leis espirituais. Quando reflito sobre isso, lembro-me de que Deus é Vida, Verdade, Amor e Princípio (ver Ciência e Saúde, p. 465). Oro para que o Princípio divino se manifeste como honestidade, pontualidade e justiça; a Verdade como retidão e sinceridade; o Amor como cordialidade, amizade, camaradagem e assim por diante.
MM: Em que proporção o uso de drogas causa violência na sua escola?
RS: Hoje as drogas são um problema generalizado. As conseqüências aparecem com a agressividade gratuita e crescente. Entretanto, as drogas não são o começo. Elas aparecem num segundo estágio, após o alcoolismo que começa aos 12 ou 13 anos. Grande parte dos furtos que acontecem dentro da escola está associada às drogas. Nesses casos, procuro sempre manter um conceito elevado dos alunos, não vê-los como mortais pecaminosos, mas como espirituais e perfeitos. Ao conversar com os pais dos alunos envolvidos, procuro sempre transmitir estes pensamentos: não há alunos perdidos, que não possam sair dos problemas, afinal, todos estamos vivendo em Deus.
MM: Que outro tipo de violência vocês vivenciam?
RS: Há uma situação muito sutil, mas cruel. Poderia chamá-la de violência psicológica, ocasionada por apelidos maldosos, para ofender ou ferir a vítima. Costuma ser contínua, disfarçada de brincadeira, atormentando o jovem ao extremo. Normalmente, surgem para ridicularizar alguma característica física, debochar de uma fraqueza, tripudiando sobre o indivíduo, baixando sua autoestima. Quando não há agressão, ocorre depressão, constrangimento, evasão escolar ou dificuldade de relacionamentos. Esses são problemas difíceis de resolver.
Atendi a um aluno que havia apanhado de um colega. Quando conversei com os dois juntos, soube que aquele que apanhara havia criado um apelido ofensivo para o colega. O adolescente que o agredira se sentia magoado, queria mudar de escola, pois não suportava mais ouvir risos e gozações por causa do apelido. Falei com ambos sobre a Regra Áurea que ensina: “tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”. (Mateus 7:12). Comentei também sobre o ensinamento de Jesus: “com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também” (Mateus: 7:2). Após a conversa, eles se perdoaram mutuamente.
MM: Alguns jovens quando se juntam, formam gangues que competem violentamente entre si. Você já se deparou com algo parecido?
RS: Após a final de um campeonato de futebol, na hora do recreio, uma aluna do Grêmio colocou o hino do Corinthians. Prevendo que poderia haver acirramento dos ânimos, mandei tirar o CD. Ao mesmo tempo, ouvi uma gritaria no pátio coberto. Corri para lá e deparei-me com dois grupos de alunos, trocando chutes, pontapés e socos. De um lado, corintianos; de outro, são-paulinos, apoiados por outras torcidas. Urravam e investiam uns contra os outros. Do nada, a violência explodia! Pensei: Deus está governando tudo; todos são filhos de Deus, e como filhos, só podem expressar amor, não podem se odiar ou se agredir. Fui para o meio deles, gritando para que parassem, mas, afirmando, mentalmente, que todos estavam sob o controle de Deus. De repente, o tumulto se desfez. Percebi que os próprios alunos estavam surpresos pela confusão que se formara. Os professores, depois, conversaram com as classes, sobre respeitar as idéias do próximo, mesmo que divergentes das nossas. Também houve casos de pagodeiros com roqueiros, de punks com clubbers, de góticos com skatistas, entre outros.
MM: Como cientista cristã, qual a contribuição que você oferece para ajudar sua comunidade a resolver problemas como esses?
RS: Aproveitando um programa que se chama Escola da Família, já oferecemos duas conferências sobre a Christian Science nas dependências escolares, abertas a toda a comunidade com convite especial para os pais. Os que compareceram, receberam Arautos, compraram e estão lendo Ciência e Saúde. Vários depoimentos confirmam que essa literatura tem sido um grande auxílio no relacionamento familiar. Sou procurada por pais, alunos, professores, funcionários e até por pessoas da comunidade ao redor da escola, em busca de ajuda para os mais diversos problemas. Muitas vezes distribuo Arautos, para que as pessoas encontrem respostas espirituais aos problemas diários. Várias delas me contaram que se sentiram mais calmas após a leitura da revista e conseguiram solucionar o que as afligia.
MM: Qual a importância da Christian Science na sua vida pessoal e profissional?
RS: A Christian Science me dá a base espiritual para ajudar o próximo. Estudá-la me aproxima de Deus. Para mim, a Christian Science é como um cajado, em que eu me apoio e sigo em frente! Não importa se preciso caminhar por planícies ou subir encostas montanhosas. Aprendi que aonde for, Deus estará me guiando!
