Tímido, covarde, fraco...
Palavras como essas podem vir à mente, quando pensamos em alguém que dá a outra face. No mínimo, dar a outra face talvez pareça um comportamento extremamente passivo. Muitas vezes até podemos considerar essa atitude uma resposta impraticável ou não-realista. Vingança, retaliação, ódio, maldição, desejo de punir pessoalmente o perpetrador do mal, ou de tomar algum tipo de ação contra aqueles que nos prejudicaram, parece ser uma inclinação humana natural. Entretanto, recentemente me perguntei: “será que dar a outra face é realmente um chamado à ação?”
Ponderei essa possibilidade, enquanto orava com estes versículos do Sermão do Monte, pregado por Jesus: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (Mateus 5:39–41). A seguir, em Ciência e Saúde, próximo ao título marginal “Caridade para com os oponentes”, encontrei essa instrução do Cristo explicada desta maneira: “ ‘A qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra’. Isto quer dizer: não receies que ele te bata outra vez por tua longanimidade (p. 444).
Tenho de admitir que fiquei um pouco intrigada com essa última declaração. Voltar a outra face sempre me parecera algo como “aceitar” pacientemente. Contudo, poderia esperar que, ao invés de uma reação amável que resultaria em alguém ser vítima de mais violência ou atos maus, nenhum dano adicional ocorreria. Como poderia ser isso? Retornei ao Sermão do Monte para encontrar uma resposta.
Ao ler um pouco mais o trecho de Mateus, constatei que Jesus continuava a exigir que se voltasse a outra face, com um claro chamado à ação. Ele disse: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (5:44). Amar. Abençoar. Fazer o bem. Orar. Nenhuma indicação de passividade nesse trecho. Ao contrário, essa atividade, vital e positiva, aponta para um resultado esperado, ou seja, a cura! O próprio Jesus provou em seu trabalho diário, o poder de amar, abençoar, fazer o bem e orar. Algumas vezes, a cura se manifestava quando se retirava de uma situação violenta, como quando ele caminhou por entre a multidão que estava tentando lançá-lo do cimo do monte (ver Lucas 4:29, 30). Outras vezes, ele simplesmente retribuiu o mal com o bem, como quando ele curou a orelha do servo do sumo sacerdote que veio para prendê-lo (Ibidem, 22:50,51).
Uma análise da Bíblia como um todo revela que um grande número de pessoas vivenciou a cura, de forma ativa, ao voltar a outra face. Por exemplo, José não perdeu tempo com atitudes improdutivas, tais como ódio, vingança, autopiedade. Tampouco cruzou os braços e “aceitou” tudo pacificamente. Ao contrário, transformou cada incidente negativo em uma oportunidade para demonstrar ainda mais sua devoção ao bem, ao amor, ao perdão a seus semelhantes e a abençoar sua comunidade. Daniel, apesar de ter sido levado cativo, empenhou-se para prestar serviços da melhor forma que podia. Sua consagrada oração a Deus lhe trouxe liberdade e proteção. Durante uma tempestade, ao invés de se chafurdar em autopiedade, justificação-própria e ressentimento, Paulo orou e conseguiu garantir à tripulação e aos companheiros prisioneiros do navio em que estava sendo transportado, que todos eles seriam salvos por Deus. Em outra ocasião, ele não apenas se livrou das correntes na prisão por meio da oração, mas também converteu o carcereiro à aceitação do Cristo.
Percebi que, ao invés de demonstrar uma disposição em aceitar o abuso contínuo por parte do executor de uma má ação, voltar a outra face indica nosso reconhecimento de que o mal não tem nenhuma influência sobre nossa experiência. Isso não seria reconhecer ativamente o reino de Deus à mão, exatamente onde o mal tenta arriscar uma pretensão de poder? Em vez de ficarmos cativos do medo, do ódio, ou da perseguição, podemos contribuir para eliminar o mal, reconhecendo a onipresença do Amor divino. Mary Baker Eddy declarou: “O poder de Deus traz libertação ao cativo. Nenhum poder pode resistir ao Amor divino” (Ciência e Saúde, p. 224). Estar atento ao chamado à ação prescrito por Jesus, concede realidade somente ao Amor divino e à sua atividade sanadora.
Amar. Abençoar. Fazer o bem. Orar. Nenhuma indicação de passividade. Ao contrário, essa atividade, vital e positiva, aponta para um resultado esperado, ou seja, a cura!
É apenas um sentido mortal sobre nós mesmos e os outros, que sugere termos direito de reagir a qualquer tipo de mal feito contra nós. Mas, a vingança e a retaliação não trazem a satisfação que prometem. Ao contrário, elas resultam na perpetuação do comportamento malévolo, uma vez que cada parte busca continuamente acertar as contas. Essas motivações geram tristeza, culpa, mágoa, ou, até mesmo, a morte, para os envolvidos.
Ao invés de sucumbirmos a um pensamento igualmente mau, podemos afirmar que Deus nos criou para sermos amorosos e dignos de ser amados. O primeiro capítulo do Gênesis declara que “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou...” (Gênesis 1:27). A imagem de Deus só pode ser boa e expressar bondade. Além disso, Deus pode manter e de fato mantém Sua imagem, o homem, em seu status original de bondade inata. Jesus aludiu a esse conceito de homem isento de pecado, quando ensinou: “Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mateus 5:48). Essa ordem para sermos o reflexo de um Deus perfeito, refere-se também ao “outro”, ao aparente inimigo. Nosso dever é aceitar essa concepção de reflexo de Deus, a fim de desarmar o ódio e irradiar o amor, a despeito do que os sentidos físicos tentam transmitir sobre aqueles que nos perseguem.
Ao invés de sucumbirmos a um pensamento mau, podemos afirmar que Deus nos criou para sermos amorosos e dignos de ser amados.
Recentemente, um colega de trabalho fez falsas acusações a meu respeito em voz tão alta que foram ouvidas por pessoas fora do escritório, sobre uma situação que eu estava tentando resolver com uma pessoa de fora e com o seu departamento. Embora inicialmente estivesse atordoada e magoada, logo reconheci a necessidade de ver esse indivíduo como Deus o havia criado. Orei para mudar meu conceito sobre ele e sobre mim. Vi que, ao invés de rude, acusador e desrespeitador, ele era amoroso e refletia a natureza de Deus. Da mesma forma, ao invés de ficar ofendida, reagir ou retaliar à altura, eu refletia harmonia e amor. Procurei entender suas preocupações e compreendi que, na verdade, ele buscava justiça, eqüidade e respeito. Depois de alguns dias orando sobre o ocorrido e me empenhando para amar esse indivíduo como Deus o amava, fui falar com ele. Desta vez, ele foi muito gentil e calmamente me forneceu a informação de que eu precisava para ajudar o outro departamento.
À medida que cada um de nós se empenhar em demonstrar o poder de voltar a outra face em pequenos incidentes, alcançaremos a confiança necessária para resolver com êxito situações mais desafiadoras. O domínio espiritual que cada um tem sobre atos de agressão pode ajudar a libertar o mundo de qualquer conceito errado sobre os filhos e as filhas de Deus.
Desinibido. Corajoso. Forte. Estas são as palavras que deveriam vir à mente quando consideramos aqueles que voltam a outra face, pois estamos obedecendo integralmente ao mandamento de Jesus para amar, abençoar, fazer o bem, e orar. Será que podemos aceitar esse chamado à ação?
