A política. Ela se desenrolava ali, diante dos meus olhos.
Não, não eram debates para a eleição presidencial nos Estados Unidos, nem o tumulto contínuo das eleições contestadas no Zimbábue, nem a crescente tensão entre os líderes tribais e o governo no Afeganistão, disputas essas que estivera acompanhando, e sobre as quais estivera ponderando e orando.
Era algo muito mais próximo de casa. De fato, dentro da minha própria casa. Portanto, chamou minha atenção.
Isso havia começado alguns dias antes, quando nossa filha, que estava na faculdade, voltara para casa com um gato já meio crescidinho chamado Folsom, que ela havia salvado e criado. Ele ficaria conosco apenas por pouco tempo, até o final da semana, quando ela se mudaria para seu novo apartamento.
Tente explicar isso para o cão e o gato que já vivem conosco.
Primeiro, observei a política sutil de gato-versus-gato. Em seguida, veio a política mais explosiva de gato-versus-cachorro. Durante as primeiras 24 horas que Folsom ficou conosco, tinha de intervir a todo o momento entre muitos rosnados, miados, zumbidos e latidos.
O barulho era intolerável.
É isso o que acontece com a discórdia na política. Algumas vezes, você tem de se envolver porque não pode mais ignorá-la.
Seria a harmonia realmente uma expectativa prática para o lar? Seria também para o eleitorado nacional ou para a comunidade global?
Tudo o que eu desejava era a harmonia restabelecida em meu lar. Penso também que é isso o que todos realmente desejam em nosso lar global. Não importa quais os candidatos que apoiamos, quais as políticas e os programas de que mais gostamos, depois que todos os votos são lançados, as pessoas anseiam por um senso de harmonia tangível em seus lares, nas suas comunidades e nos seus países.
Seria esse um ideal irrealizável? Poderia ser estabelecido entre aqueles que pertencem a grupos diferentes, com pontos de vista divergentes e enraizados? E se eles não falassem a mesma língua, não tivessem o mesmo histórico sócio-cultural nem compartilhassem da mesma ideologia? E se quando realmente falassem, a conversa simplesmente se degringolasse em um desafio de gritos, repleta de invectivas e acusações?
Seria a harmonia realmente uma expectativa prática para o lar? Seria também para o eleitorado nacional ou para a comunidade global?
Sim. Mas somente se fosse compreendida como uma atividade espiritual enraizada na natureza fundamental de Deus, o Amor divino.
Uma maneira útil para se pensar a respeito do governo da harmonia está no contexto da música. Qualquer pessoa que tenha cantarolado uma melodia compreende intuitivamente quando algo produz um som agradável. Do mesmo modo, quando as notas são muito discordantes, já não podemos mais chamar de música, mas sim de discórdia. Contudo, quando o princípio da harmonia governa, muitas vozes e muitos instrumentos podem se mesclar, mesmo com diferentes tons da mesma melodia, formando corais dinâmicos e grandiosos. O acréscimo de mais vozes e instrumentos simplesmente realça o som, desde que se mantenha a harmonia.
Jesus compreendeu que sua missão não era política em um sentido limitado, mas era revolucionária
Com a tecnologia de hoje, um concerto pode ser transmitido para o mundo todo com públicos em diferentes continentes participando simultaneamente em uma única canção. Isso é um vislumbre do que é possível quando deixamos que um único princípio unificador governe nossos pensamentos e ações.
Esse senso profundo de harmonia expressa a essência do ministério de Jesus. Ele conhecia tudo sobre política. Ele era identificado com o Cristo, o Messias judaico que, conforme a profecia, restabeleceria o reino do povo escolhido de Deus como nos dias do rei Davi. Para os zelotes, um grupo nacionalista extremado dentro da Judeia daquela época, isso significava livrar sua terra da ocupação romana, por qualquer meio, incluindo a violência. Os judeus que apoiassem Roma de qualquer maneira, tais como os coletores de impostos que administravam a burocracia do império, eram considerados maus ou piores do que os próprios romanos.
Contudo, exatamente dentro do círculo mais íntimo de Jesus, constituído pelos 12 discípulos, estavam Mateus, o coletor de impostos, e Simão o zelote. O teólogo William Barclay observou: "A verdade plena é que, se Simão tivesse encontrado Mateus sob quaisquer outras circunstâncias, ele o teria matado ... Se Mateus e Simão podiam viver em paz dentro do grupo apostólico, então não há nenhuma brecha entre os homens que não possa ser curada quando os homens amam o Cristo" (Barclay, The Master's Men [Os homens do Mestre], edição de 1980, p. 97).
Jesus compreendeu que sua missão não era política, no sentido restrito, mas era revolucionária. Seu objetivo era reorientar a humanidade para longe do conceito material de vida, substância e inteligência, ou seja, todas as coisas que acarretam discórdias inevitáveis dentro das pessoas e entre elas, e para restaurar uma perspectiva espiritual que harmoniza cada um de nós com Deus. Obter um relacionamento correto com o Divino traz o reino dos céus, o melhor governo imaginável. Esse não é um reino conquistado pela força, coerção ou partidarismo na política, mas encontrado exatamente dentro de nós por meio da oração sincera.
O poder espiritual, que prevalece tanto no céu como na terra, é o único poder verdadeiro
Jesus ensinou a seus discípulos, inclusive a Simão e a Mateus, uma oração abrangente que expressa o ideal Cristo, o relacionamento espiritual com Deus, que redime a humanidade. As palavras dessa oração, com as quais estamos familiarizados, são conhecidas como Pai Nosso, mas é sua inspiração sempre nova que está por trás dessas palavras, o que traz a cura. Mary Baker Eddy apresentou a essência espiritual dessa oração, linha por linha, em seu livro-texto sobre cura, Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, p. 16. Começa nos dirigindo diretamente a Deus:
Pai nosso que estás nos céus,
Nosso Pai-Mãe Deus, todo-harmonioso,
Nosso Pai-Mãe. Nosso. Seu e meu, daquela pessoa do outro lado do problema, como também do escritor anônimo de um blog antagonístico. É radical começar reconhecendo que temos o mesmo Pai. Um Pai infinitamente sábio e amoroso não apoiaria cada membro de Sua família universal com justiça, equidade e imparcialidade? Não haveria um lugar para cada filho, dentro da harmonia do Amor?
Mais adiante na oração, encontramos:
Faça-se a Tua vontade, assim na terra como no céu;
Faze-nos saber que—como no céu, assim também na terra—Deus é onipotente, supremo.
O poder espiritual, que prevalece tanto no céu como na terra, é o único poder verdadeiro. À medida que reconhecermos o governo sábio e justo do Espírito, descobriremos que ele é sempre a fonte do governo sábio e justo nos assuntos humanos, permitindo que a harmonia prevaleça.
Tudo o que é egoísta ou que busca o próprio interesse se faz às custas do todo
"A harmonia no homem", escreveu Mary Baker Eddy, "é tão bela como na música, e a discordância é desnatural, irreal ... Um mortal descontente e discordante não é um homem, tal como a dissonância não é música" (Ciência e Saúde, p. 304-305).
Esse é um chamado para despertar. A mídia e a Internet parecem repletas de amargo descontentamento e mexericos maliciosos. Isso contribui para que perguntemos a nós mesmos se estamos também sendo arrebatados por esse redemoinho de hostilidade anônima. Uma avaliação honesta dos nossos próprios pensamentos revela o nível de harmonia, ou de discórdia, no qual estamos engajados e para o qual contribuímos.
Tudo o que é egoísta ou que busca o próprio interesse se faz às custas do todo. É uma expressão daquilo que a Ciência Cristã denomina de magnetismo animal, que pode tomar a forma de uma determinação voluntariosa de dominar os outros e buscar seu próprio interesse a qualquer custo. Esse impulso animalístico destruiria as famílias, as comunidades e as nações.
Encontramos o que corrige esse impulso destrutivo exatamente no Pai Nosso:
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores;
E o Amor se reflete em amor;
A força e a paz do perdão não podem ser dissociadas do Amor divino. O reconhecimento de um amor tão profundo começa a melhorar a política partidarista que tende a dividir a família-cidadã e a envenenar a atmosfera. Mais do que isso, o amor de Deus realça nossa capacidade, por meio da oração, de sair das zonas de conforto rumo às zonas de combate. É o impulso espiritual, por trás dos nossos pensamentos e ações mais altruístas, que inicia o diálogo e nutre o acordo. O Amor constrói relacionamentos sólidos e duradouros dentro dos grupos e entre os grupos.
Sua indicação o colocou contra uma candidata local que tinha muita experiência
A linha final dessa oração muito querida nos lembra que toda política humana cederá, em última análise, ao governo divino. Nada pode derrubar ou revogar seu governo.
Pois Teu é o reino, o poder e a glória para sempre.
Pois Deus é infinito, todo poder, todo Vida, Verdade, Amor; está acima de tudo, e é Tudo.
Mediante tal oração, começamos a compreender que a natureza verdadeira do universo é, como seu Princípio causativo, profundamente espiritual, sem as limitações da matéria e os conflitos que essas limitações inevitavelmente trazem. Se estivermos dispostos a ouvir as percepções e ideias reveladas pela nossa oração, não importando o quão diferentes elas possam ser daquilo que esperamos ouvir, entraremos naturalmente de novo em sintonia com Deus.
Há alguns anos, meu marido concorreu a um cargo público. Estávamos vivendo na pequena cidade onde ele havia crescido e ele estava interessado em servir na comissão educacional regional. Tínhamos os filhos no sistema escolar e desejávamos apoiar suas atividades. Sua indicação o colocou contra uma candidata local que tinha muita experiência em servir a comunidade, mas que não tinha mais filhos na escola.
Depois de orar e de refletir um pouco mais, ele permaneceu na disputa
De repente, essa cidadezinha tranquila, com cerca de 3.800 eleitores registrados, passou a ter uma eleição calorosamente contestadora. Artigos começaram a aparecer em todas as edições do jornal local, na página do leitor. Em uma delas, um casal que conhecíamos bem e que considerávamos nossos amigos, havia escrito uma longa carta ao editor endossando a oponente do meu marido. Não foi fácil lermos o artigo, que, de fato, nos deixou magoados. Em uma comunidade onde você encontra todo mundo na fila do correio, a política havia se tornado muito pessoal.
Meu marido havia refletido e ponderado muito quando decidiu concorrer àquele cargo. Agora, ele se perguntava se era justo acrescentar esse nível de discórdia dentro da comunidade, na disputa por um cargo não remunerado em uma comissão de seis pessoas. Sua decisão estava baseada em princípios ou era de caráter pessoal? Para o bem de todos, ele sabia que tinha de estar disposto a desistir se qualquer outra razão que não um amor verdadeiro por sua cidade e um motivo altruísta de servir fizesse parte da decisão. Depois de orar e de refletir um pouco mais, ele permaneceu na disputa.
Quando as urnas facharam e os resultados foram apurados, o secretário da cidade contou que ele havia vencido por sete votos. Sete! Isso mostra como a eleição foi apertada.
Sua oponente estava agora disponível para um outro projeto municipal especialmente adequado aos seus talentos
Portanto, agora era hora de mais oração e humildade. A campanha estabelecida nas diferenças imediatamente deu lugar à união das pessoas da cidade em torno de investimentos muito necessários nas escolas. Tínhamos também de estender a mão em demonstração de amizade genuína e de reconciliação a todos aqueles que haviam votado contra ele. Afinal, esse era nosso lar, e eles nossos vizinhos.
Dentro de muito pouco tempo após assumir o cargo, ficou evidente que um grande projeto de construção seria beneficiado com a experiência empresarial que meu marido trouxera à comissão. Foi um excelente ajuste entre o que era necessàrio, com o que ele podia contribuir. Sua oponente, que havia educadamente reconhecido sua derrota na eleição, a despeito do resultado apertado, estava agora disponível para um outro projeto municipal especialmente adequado aos seus amplos talentos. As filas no correio se tornaram agradáveis de novo.
Foi apenas uma eleição local para a comissão escolar. Contudo, ela me proporcionou alguns vislumbres de como qualquer comunidade pode descambar para uma dissonância de cinismo, amargura e, até mesmo, violência, no vácuo de eleições apertadas ou muito disputadas.
A harmonia é passível de ser provada tanto nas comunidades menores quanto nas maiores
Se tensões políticas estão correndo soltas em nossa própria comunidade, como responderemos? Com mais dissensões egoístas? Ou com a coragem para amar, perdoar e encontrar uma nova canção que combine vozes disparatadas com harmonias mais divinas?
Enquanto escrevo este artigo, nosso cachorro dorme com a cabeça no meu colo. Nosso gato ronrona satisfeito em uma poltrona próxima, e Folsom, aninhado aos meus pés, fechou seus olhos felinos para o cochilo do meio da manhã. A hostilidade de suas políticas iniciais deu lugar à tranquila harmonia de um lar não dividido.
Harmonia e harmonização, não somente são possíveis, são essenciais. São passíveis de serem provadas tanto nas comunidades menores quanto nas maiores, o que é uma boa coisa, porque Folsom, o gato de nossa filha, virá nos visitar de novo no Dia de Ação de Graças.
